English

Português

Español

Français

Colocar mensagem aqui

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Vol. 29 (2)
2025



Artigos

Quebra-cabeças de narciso: a etnografia defronta-se com o delírio e se “hospeda” no Hotel da Loucura – Rio de Janeiro

Luciano von der Goltz Vianna

O presente artigo parte de um debate que visa compreender como os regimes disciplinares da antropologia conduzem o pesquisador a seguir um protocolo específico de questões e interesses em suas pesquisas. O objetivo, aqui, é discutir sobre os

[+]


Artigos

Por trás das crianças, dos objetos e dos cuises: agência e pesquisa em um bairro periurbano de Córdoba (Argentina)

Rocío Fatyass

Neste artigo retomo ideias emergentes de um projeto de pesquisa com crianças que acontece em um bairro periurbano da cidade de Villa Nueva (Córdoba, Argentina) e discuto a agência das crianças e sua participação na pesquisa em ciências

[+]


Artigos

A propósito da construção de conhecimentos sobre o ecossistema amazônico a partir de uma instituição científica brasileira

Aline Moreira Magalhães

A produção de um saber moderno acerca da flora e fauna amazônicas incorpora, desde as expedições naturalistas do século XVIII, conhecedores e conhecedoras por vivência daquele ecossistema. No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

[+]


Interdisciplinaridades

Viver numa casa do Siza: a experiência da arquitetura de autor na Malagueira, Évora

Juliana Pereira, Ana Catarina Costa, André Carmo, Eduardo Ascensão

Este artigo retoma os estudos sobre a casa e o habitar desenvolvidos pela Antropologia e pela Arquitetura portuguesas, acrescentando-lhes um olhar vindo das geografias da arquitetura, para de seguida explorar a forma como os habitantes de edifícios

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Introduction: Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses

Annabelle Dias Félix, Maria João Leote de Carvalho, Catarina Frois

In the global political landscape, as far-right parties gain prominence, populist rhetoric advocating for harsher justice and security policies is becoming increasingly prevalent. Proponents of this rhetoric base their discourse on “alarming”

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Privatizing urban security: control, hospitality and suspicion in the Brazilian shopping

Susana Durão, Paola Argentin

In this article we argue that hospitality security – a modality that confuses control and care – operates through the actions of security guards in the creation of what we call pre-cases. From a dense ethnography accompanying these workers in a

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

“Abuso policial, todos os dias o enfrentamos”: notas etnográficas sobre violência policial racista

Pedro Varela

A violência policial racista é uma das facetas mais brutais do racismo na nossa sociedade, refletindo estruturas de poder e opressão que marginalizam setores da sociedade. Este artigo sublinha a importância de compreender essa realidade,

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Marginality, security, surveillance, crime, imprisonment: reflections on an intellectual and methodological trajectory

Catarina Frois

This article engages with contemporary anthropological and ethnographic methodological debates by reflecting on the challenges of conducting research in contexts related with marginality, deviance, surveillance, and imprisonment. It examines the

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Navigating the labyrinth: qualitative research in the securitized border regions of North Africa

Lydia Letsch

Qualitative researchers face unique challenges in the dynamic domain of border regions, particularly when venturing into highly securitized areas with a constant military presence, advanced surveillance, and restricted access zones. This article

[+]


Memória

Uma vida, muitas vidas: entrevista com Victor Bandeira, etnógrafo e viajante

Rita Tomé, João Leal

Falecido recentemente, Victor Bandeira (1931-2024) desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da museologia etnográfica em Portugal. Foi graças às suas expedições a África (1960-1961, 1966, 1967), ao Brasil (1964-1965) e à Indonésia

[+]


Prémio Lévi-Strauss

Da “nota de pesar” à “injusta agressão”: notícias sobre morte escritas pela PMSC

Jo P. Klinkerfus

Este trabalho é uma versão reduzida e sintetizada da etnografia realizada do PMSC Notícia, a plataforma de notícias da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). A partir das notícias sobre a morte, o morrer e os mortos publicadas no site no

[+]

Vol. 29 (1)
2025



Artigos

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

[+]


Artigos

“Preventing them from being adrift”: challenges for professional practice in the Argentinean mental health system for children and adolescents

Axel Levin

This ethnographic article addresses the difficulties, practices, and strategies of the professionals of the only Argentine hospital fully specialized in the treatment of mental health problems of children and adolescents. More specifically, it

[+]


Artigos

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

[+]


Artigos

To migrate and to belong: intimacy, ecclesiastical absence, and playful competition in the Aymara Anata-Carnival of Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

The article analyzes the Anata-Carnival festivity celebrated in the Andean town of Chiapa in the Tarapacá Region, Great North of Chile. I suggest that this celebration constitutes one of the main events that promote the reproduction of feelings of

[+]


Artigos

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

[+]


Memória

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

The difficult balance between work and life: care arrangements in three generations of Cape Verdean migrants

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

The reconciliation of the personal, work and family spheres of migrants is an emerging issue in migration studies, with concepts such as the transnational family and global care chains. In this contribution we analyse the strategies deployed by

[+]


Debate

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

[+]


Debate

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

[+]


Debate

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

[+]


Debate

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

[+]

Nota sobre a capa

Nota sobre a capa

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

[+]

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Dos arquivos

Deambular pelo passado com o presente estripado: olhar Gaza através dos arquivos

Raquel Gil Carvalheira

04.03.2024

In this February of a live broadcast genocide, the proposal is "Wandering through the past with an eviscerated present: looking at Gaza through the archives". This in the month in which Etnográfica inaugurates its Found in Translation section with Abdellah Hammoudi's proposal for an "anthropology in Arabic" (also in its original version, here on Agora). The view through the Etnográfica archives of the ancient land from the river to the sea, the suggestions for rereading, the text and the images are by Raquel Carvalheira.
Neste fevereiro de genocídio em direto, a proposta é "Deambular pelo passado com o presente estripado: olhar Gaza através dos Arquivos". Isto no mês em que a Etnográfica inaugura a secção Found in Translation com a proposta de Abdellah Hammoudi para uma "antropologia em língua árabe" (também na versão original, aqui no Agora). O olhar, a partir do arquivo da Etnográfica, sobre a terra antiga do rio até ao mar, as propostas de releitura, o texto e as imagens pertencem a Raquel Carvalheira.
En este febrero de genocidio retransmitido en directo, la propuesta es "Deambular por el pasado con un presente eviscerado: mirar Gaza a través de los archivos". En el mes en que Etnográfica inaugura su sección Found in Translation con la propuesta de Abdellah Hammoudi de una "antropología en árabe" (también en versión original, aquí en Agora). La visión a través de los archivos de Etnográfica de la antigua tierra del río al mar, las sugerencias de relectura, el texto y las imágenes son de Raquel Carvalheira.
En ce mois de février d'un génocide retransmis en direct, la proposition est "Errer dans le passé avec un présent éviscéré : regarder Gaza à travers les archives". C'est le mois où Etnográfica inaugure sa section Found in Translation avec la proposition d'Abdellah Hammoudi pour une "anthropologie en arabe" (également dans sa version originale, ici sur Agora). La vue des archives d'Etnográfica sur l'ancienne terre, du fleuve à la mer, les suggestions de relecture, le texte et les images sont de Raquel Carvalheira.
DOI: https://doi.org/10.25660/agora006.7gjt-zt57

Abrimos a porta do arquivo e espreitamos com novas lentes para a antropologia publicada na Etnográfica desde 1997. A cada 4 meses, um/a editor/a convidado/a propõe uma seleção de releituras com base num eixo temático (ou geográfico, ou temporal, ou... ) definido a partir dos seus interesses de pesquisa, ou do que no mundo, hoje, mais o/a interpela enquanto investigador/a.

Neste fevereiro de genocídio em direto, a proposta é "Deambular pelo passado com o presente estripado: olhar Gaza através dos Arquivos". Isto no mês em que a Etnográfica inaugura a secção Found in Translation com a proposta de Abdellah Hammoudi para uma "antropologia em língua árabe" (também na versão original, aqui no Agora). O olhar, a partir do arquivo da Etnográfica, sobre a terra antiga do rio até ao mar, as propostas de releitura, o texto e as imagens pertencem a Raquel Carvalheira.

No dia em que comecei a escrever este texto – 21 de Janeiro de 2024 – rádios e jornais noticiam que o conflito e genocídio em Gaza já matou mais de 25 mil pessoas desde Outubro. Destas, o Ministério da Saúde da Palestina calcula que, 80% serão mulheres e crianças. Na altura, os ataques israelitas dirigiam-se para Khan Younis; entretanto, mudaram para Rafah. Neste processo de contínua destruição, até os mais fiéis partidários do Estado de Israel parecem agora acautelar-se na expressão de apoios incondicionais. Hoje, a principal notícia que me chega é a de que o segundo maior hospital de Gaza está “completamente fora de serviço” (Público, 18 de Fevereiro de 2024). Escrever sobre um arquivo a partir de Gaza, como sugerido pelos organizadores desta secção, dá medo. Medo de que, por muito que se escreva, estejamos sempre à beira do absurdo. Não sendo um manifesto, este texto não pode, por isso, deixar de expressar o meu desejo pela existência de uma Palestina livre.



© Raquel Gil Carvalheira


Tudo (re)começou a 7 de Outubro de 2023 com o ataque do Hamas a um festival de música trance que muito se assemelha às festas descritas por Giorgio Gristina no artigo From Goa to Rabin Square: notes for a research on the uses and meanings of psychedelic trance music and parties in Israel, incluído no dossiê da Etnográfica "Conflicts within a conflict: critical observations from the Israeli field" (vol. 23 (1), 2019). O dito artigo explora a grande adesão das e dos jovens israelitas às festas de música trance, adesão essa que, segundo o autor, parece estar ligada à experiência, certamente desconcertante, do serviço militar obrigatório. Se num primeiro momento estas festas são entendidas como desviantes para a sociedade israelita, e até subversivas face ao status quo, a pouco e pouco são aceites e aparecem como terapia holística para a experiência traumatizante da violência.

Fazendo um pequeno paralelismo, arrisco-me a dizer que se as abordagens históricas recentes desmontam e compreendem a complexidade dos colonialismos do século XX, evidenciando as suas contradições internas como, por exemplo, a participação das figuras colonizadas em tais projectos, a etnografia possibilita olhar para as complexidades de processos semelhantes que acontecem no “presente”. Neste dossiê, podemos entrar na sociedade israelita anterior ao dia 7 de Outubro para entender, em primeiro lugar, as manifestações da presença constante de um conflito longo e aparentemente irresolúvel, e também, a existência de um Estado altamente militarizado que se inscreve nos corpos, comportamentos e acções da população judia israelita. Os artigos conduzem-nos para os espaços da colonização (o artigo de Marco Allegra ‘It’s a great place for kids!’: the settlement of Ma’ale Adumim as a suburban safe space), para as clivagens sociais internas da sociedade israelita (o artigo de Giulia Danielle, Political and social protests from the margins: the role of Mizrahi Jews in Israeli grassroots activism) e, finalmente, para a construção de sujeitos políticos no âmbito do Estado Israelita, à qual acedemos através da diáspora judia brasileira em Israel (o artigo de Miguel Vale de Almeida, ‘Write your biggest dream on a sheet of paper and burn it’: subjectivity and subjectification in becoming Israeli). Estes artigos, juntamente com o de Giorgio Gristina, exploram, ainda que diferentemente, como os sujeitos judeus e israelitas participam e são, em simultâneo, dominados por processos de construção identitária aos quais aderem, mas que em larga medida extravasam as suas escolhas pessoais. Ler estes artigos, hoje, não deixa de ser um exercício de perplexidade. No seu conjunto, eles não exploram directamente a questão do conflito – aliás, os autores, que assinam conjuntamente a introdução ao dossiê, expressam nitidamente a intenção de abordar outras dimensões mais quotidianas e processuais das vidas dos seus interlocutores – mas invariavelmente interrogamo-nos sobre como é e o que implica estar dentro de um projecto identitário semelhante.

Infelizmente, por circunstâncias de vária ordem, não existe um dossiê sobre “conflitos dentro de conflitos nos terrenos palestinianos”. Talvez este fosse, também, um exercício essencial para que a Palestina pudesse aparecer com as suas contradições e singularidades. Esta ausência não surge da ausência de posicionamentos políticos ou desinteresse das antropólogas e antropólogos em Portugal; antes decorre de uma dificuldade da antropologia social e cultural portuguesa em explorar estes territórios. Desde logo, porque as categorias Médio Oriente e Norte de África são, como nos explica Glenn W. Bowman no texto Refiguring the Anthropology of the Middle East and North Africa (em The Sage Handbook of Social Anthropology, 2012, editado por Richard Fardon & John Gledhill, pp. 678-710 Londres: Sage), engendradas pelas antigas potências colonizadoras que assim recriaram uma área cultural específica, moldando a forma como estes territórios são pesquisados – e sobre este assunto não poderemos esquecer o orientalismo descrito por Edward Said, a quem voltaremos mais à frente. Por sua vez, a questão linguística não é irrelevante para a falta de investigação antropológica sobre estes países, ao que acresce uma fraca relação institucional (inclusivamente cultural e académica) e uma combinação de factores ligados à academia portuguesa, sobre os quais Maria Cardeira da Silva reflecte no texto O sentido dos árabes no nosso sentido. Dos estudos sobre árabes e sobre muçulmanos em Portugal disponível na Etnográfica Press. Aliás, o dossiê “Social movements in Islamic contexts: anthropological approaches” coordenado pela mesma autora mostra o papel indispensável que esta antropóloga e professora tem no desenvolvimento de estudos antropológicos nos contextos predominantemente muçulmanos e que só poderão enriquecer e diversificar a antropologia portuguesa, tão preocupada ou centrada que está nas realidades e mobilidades associadas aos antigos territórios colonizados por Portugal. Mas, por alguma razão – talvez por várias e a violência será certamente uma delas – nenhum de nós, seus estudantes, agora reunidos no Azimute Estudos em Contextos Árabes e Islâmicos, linha temática do CRIA fundada por Maria Cardeira da Silva, conduziu trabalho de campo na Palestina.



© Raquel Gil Carvalheira

Apesar disso, temos dialogado com o território palestiniano, ainda que indirectamente, por intermédio de Edward Said, figura intelectual incontornável para o pensamento antropológico e que tão bem Manuela Ribeiro Sanches discute no artigo “Edward W. Said (1935-2003): contraponto e dissonância”, uma espécie de homenagem póstuma. Através de Edward Said e com ele, podemos procurar ultrapassar as falsas dicotomias que hoje moldam a geopolítica mundial e que informam muita da polarização actual face à guerra em Gaza. Para muitos líderes mundiais dos países europeus e dos Estados Unidos e, talvez, também, para alguma população que neles habita, os palestinianos, como os outros árabes, são sujeitos distantes, incompreensíveis, anti-democráticos, contra os direitos das mulheres e perpetuadores de uma combinação explosiva entre religião e política, supostamente incrustrada no “mundo islâmico”. Muitos consideram que essa é a justificação pela qual a Palestina, e Gaza em especial, continua a ser um contexto de pobreza e atraso, incapaz de criar líderes fortes e que façam frente aos extremismos. Não caberá a este texto tecer uma análise sobre a política local e regional – eu precisaria de muito mais do que ler jornais para o fazer – e as suas consequências para a situação actual, mas tão-só sublinhar como a antropologia soube aproveitar os ensinamentos de Edward Said para ultrapassar estas dicotomias reificadoras que ditam análises políticas apressadas e enviesadas. O legado de Edward Said emerge em muitos outros textos da Etnográfica dedicados a outras geografias, como a Mauritânia e Marrocos (e até outras). Essas dicotomias caem por terra ao ler a entrevista de Nuno Domingos e José Neves a Tamir Sorek com o nome O "Enclave integrativo": os Árabes e o futebol em Israel. Tamir Sorek é um intelectual e académico israelita que fez parte do Refuznik, o movimento dos jovens israelitas que recusam realizar o serviço militar nos territórios palestinianos ocupados. Esta entrevista permite compreender as zonas cinzentas do que é ser árabe israelita e como o futebol pode desafiar concepções identitárias baseadas nesse artifício tão concreto, controverso e esponjoso que é a nação israelita.



© Raquel Gil Carvalheira

Finalmente, é importante assinalar o artigo de Maria Frederika Malmström, Porous masculinities: agential political bodies among male Hamas youth (Vol. 19 (2), 2015), o único com trabalho de campo realizado no território de Gaza. Como não poderia deixar de se esperar, este texto, que discute a masculinidade hegemónica da juventude Hamas em Gaza, mostra as consequências da violência sobre os corpos masculinos, aqueles que assumem como dever a protecção da família, das mulheres e das crianças – “a male respected identity” – para depois quebrarem (e cito sequencialmente) com dores constantes, problemas de estômago, distúrbios de equilíbrio, deficiência auditiva e outros tipos de manifestações corporais do sofrimento. A autora discute a relevância de uma antropologia da violência mostrando que essa é uma leitura indispensável para compreender a construção de género em Gaza.

É possível que o que escrevo aqui hoje desperte nos leitores a vontade e o interesse de revisitar antigos artigos da Etnográfica. Para mim, escrever estas linhas fortaleceu o desejo de um dia, quem sabe, acompanhar jovens antropólogas e antropólogos numa primeira visita de campo a uma Palestina livre.


© Raquel Gil Carvalheira

Raquel Gil Carvalheira (CRIA, Universidade Nova de Lisboa)




Raquel Gil Carvalheira é investigadora do CRIA, polo da NOVA FCSH.

< Voltar

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica