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Vol. 29 (1)
2025



Artigos

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

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Artigos

“Preventing them from being adrift”: challenges for professional practice in the Argentinean mental health system for children and adolescents

Axel Levin

This ethnographic article addresses the difficulties, practices, and strategies of the professionals of the only Argentine hospital fully specialized in the treatment of mental health problems of children and adolescents. More specifically, it

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Artigos

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

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Artigos

To migrate and to belong: intimacy, ecclesiastical absence, and playful competition in the Aymara Anata-Carnival of Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

The article analyzes the Anata-Carnival festivity celebrated in the Andean town of Chiapa in the Tarapacá Region, Great North of Chile. I suggest that this celebration constitutes one of the main events that promote the reproduction of feelings of

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Artigos

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

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Memória

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

The difficult balance between work and life: care arrangements in three generations of Cape Verdean migrants

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

The reconciliation of the personal, work and family spheres of migrants is an emerging issue in migration studies, with concepts such as the transnational family and global care chains. In this contribution we analyse the strategies deployed by

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Debate

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

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Debate

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

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Debate

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

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Debate

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

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Nota sobre a capa

Nota sobre a capa

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

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Vol. 28 (3)
2024



Artigos

Conveniências contingenciais: a antecipação como prática temporal dos inspetores do SEF na fronteira aeroportuária portuguesa

Mafalda Carapeto

Este artigo surge no seguimento do trabalho etnográfico realizado num aeroporto em Portugal, onde de junho de 2021 a abril de 2022 acompanhei nos vários grupos e turnos o quotidiano dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A

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Artigos

Cotidiano e trajetórias vitais situadas de mulheres idosas (AMBA, província de Buenos Aires, Argentina): a incidência da pandemia de Covid-19

Ana Silvia Valero, María Gabriela Morgante y Julián Cueto

Este trabalho pretende dar conta das interseções entre diferentes aspetos da vida quotidiana e das trajetórias de vida das pessoas idosas num espaço de bairro e a incidência da pandemia de Covid-19. Baseia-se no desenvolvimento sustentado,

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Artigos

As reconfigurações do culture jamming no ambiente digital: o caso dos memes anticonsumismo na campanha #antiblackfriday (Brasil)

Liliane Moreira Ramos

Neste artigo discuto as reconfigurações do fenômeno chamado de culture jamming, característico da dimensão comunicativa do consumo político, a partir da apropriação de memes da Internet como uma ferramenta de crítica ao consumo. Com base na

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Artigos

Informal economies in Bairro Alto (Lisbon): the nocturnal tourist city explained through a street dealer’s life story

Jordi Nofre

The historical neighbourhood of Bairro Alto is the city’s most iconic nightlife destination, especially for tourists visiting Lisbon (Portugal). The expansion of commercial nightlife in this area has been accompanied by the increasing presence of

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Artigos

A pame theory of force: the case of the xi'iui of the Sierra Gorda of Querétaro, Mexico

Imelda Aguirre Mendoza

This text analyzes the term of force (mana’ap) as a native concept formulated by the pames (xi’iui) of the Sierra Gorda de Querétaro. This is related to aspects such as blood, food, cold, hot, air and their effects on the body. It is observed

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Artigos

Convergences and bifurcations in the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals from Mexico and Brazil

Mariana da Costa Aguiar Petroni e Gabriel K. Kruell

In this article we present an exercise of reflection on the challenges involved in writing and studying the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals in different geographical, historical and political scenarios: Mexico and Brazil,

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Artigos

A história através do sacrifício e da predação: território existencial tikmũ,ũn nas encruzilhadas coloniais entre os estados brasileiros de Minas Gerais e Bahia

Douglas Ferreira Gadelha Campelo

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Artigos

“Pra virar gente”: a imitação afetuosa nas relações das crianças Capuxu com seus bichos

Emilene Leite de Sousa e Antonella Maria Imperatriz Tassinari

Este artigo analisa as experiências das crianças Capuxu com os animais de seu convívio diário, buscando compreender como as relações das crianças com estas espécies companheiras atravessam o tecido social Capuxu conformando o sistema

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Artigos

Laboratórios de ciências biológicas como práticas: uma leitura etnográfica da anatomia vegetal em uma universidade da caatinga (Bahia, Brasil)

Elizeu Pinheiro da Cruz e Iara Maria de Almeida Souza

Ancorado em anotações elaboradas em uma etnografia multiespécie, este texto formula uma leitura de laboratórios de ciências biológicas como práticas situantes de atores humanos e não humanos. Para isso, os autores trazem à baila plantas

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Interdisciplinaridades

Mapas sensíveis nos territórios abandonados de estações férreas na fronteira Brasil-Uruguai

Vanessa Forneck e Eduardo Rocha

Esta pesquisa cartografa e investiga os territórios criados em decorrência do abandono das estações férreas, acentuado a partir dos anos 1980, nas cidades gêmeas de Jaguarão-Rio Branco e Santana do Livramento-Rivera, na fronteira

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Multimodal Alt

Uma etnografia gráfica como forma de afeto e de memória: aflições, espíritos, e processos de cura nas igrejas Zione em Maputo

Giulia Cavallo

Em 2016, três anos depois de ter concluído o doutoramento, embarquei numa primeira tentativa de traduzir a minha pesquisa etnográfica, em Maputo entre igrejas Zione, para uma linguagem gráfica. Através de uma série de ilustrações

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Recursividades

Desanthropic ethnography: between apocryphal stories of water, deep dichotomies and liquid dwellings

Alejandro Vázquez Estrada e Eva Fernández

In this text we address the possibility of deconstructing the relationships – that have water as a resource available to humans – that have ordered some dichotomies such as anthropos-nature, establishing that there are methodologies, theories

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Argumento

A Antropologia da Arte, a Antropologia – história, dilemas, possibilidades

Filipe Verde

Neste ensaio procuro primeiro identificar as razões do lugar marginal que a arte desde sempre ocupou no pensamento antropológico, sugerindo que elas são a influência da conceção estética de arte e da metafísica que suportou o projeto das

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Recensões

Um jovem caçador de lixo na Mafalala, nas décadas de 1960 e 1970

Diogo Ramada Curto

Celso Mussane (1957-) é um pastor evangélico moçambicano. Licenciou-se na Suécia (1994) e tirou o curso superior de Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Londrina no Brasil (2018). Entre 2019 e 2020, publicou

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Recensões

Alberto Corsín Jiménez y Adolfo Estalella, Free Culture and the City: Hackers, Commoners, and Neighbors in Madrid, 1997-2017

Francisco Martínez

Este libro tiene tres dimensiones analíticas: primero, es una etnografía del movimiento de cultura libre en Madrid. Segundo, es un estudio histórico sobre la traducción de lo digital a lo urbano, favoreciendo una nueva manera de posicionarse en

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(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

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Notas de Campo

A esquina da calabaceira: encontros, afetos e etnografia no Vale

Simone Frangella

Max Ruben Ramos

05.03.2024

In this text, Simone Frangella and Max Ruben Ramos talk about their fieldwork experience in Vale da Amoreira, in the municipality of Moita, in the Lisbon Metropolitan Area. The story invites us to think about how a treat can become an axis that enables ethnographic encounters.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0005.12f4-kd16

Neste texto, Simone Frangella e Max Ruben Ramos falam da experiência de trabalho de campo em curso no Vale da Amoreira, no Concelho da Moita, Área Metropolitana de Lisboa. O relato convida a pensar sobre como uma guloseima pode tornar-se num eixo que possibilita encontros etnográficos.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0005.12f4-kd16

En este texto, Simone Frangella y Max Ruben Ramos hablan de su experiencia de trabajo de campo en Vale da Amoreira, en el municipio de Moita, en el Área Metropolitana de Lisboa. El reportaje nos invita a reflexionar sobre cómo una golosina puede convertirse en un eje que posibilite encuentros etnográficos.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0005.12f4-kd16
Dans ce texte, Simone Frangella et Max Ruben Ramos parlent de leur expérience de terrain à Vale da Amoreira, dans la municipalité de Moita, dans la région métropolitaine de Lisbonne. Le rapport nous invite à réfléchir à la manière dont une friandise peut devenir un axe permettant des rencontres ethnographiques.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0005.12f4-kd16
Notas de Campo são textos originais que disponibilizam um olhar e uma reflexão sobre experiências de investigação com apresentação de vinhetas de trabalho de campo. Os autores são convidados a incorporar representações multimodais (texto, som e imagem nos mais variados formatos) que facilitem acessos aos factos, materialidades, envolvimentos, interacções, relações e interacções possibilitadas durante o trabalho de campo. Uma secção que abre a porta aos modos como os antropólogos produzem conhecimento quando fazem as suas pesquisas, valorizando os dados em bruto, os materiais por analisar, as impressões e as imprecisões, a circunstacialidade e a natureza gerundial do fazer antropologia e que convida a soluções criativas que nos façam entrar ou aproximar às experiências vividas pelos antropólogos no campo.


Neste texto, Simone Frangella e Max Ruben Ramos falam da experiência de trabalho de campo em curso no Vale da Amoreira, no Concelho da Moita, Área Metropolitana de Lisboa. O relato convida a pensar sobre como uma guloseima pode tornar-se num eixo que possibilita encontros etnográficos.



Percorremos a alameda do Vale de ponta a ponta, antes de nos sentarmos num banco de madeira para conversar um pouco. Enquanto trocávamos ideias e impressões sobre os nossos trabalhos, reparámos que uma senhora, a poucos metros de nós, vendia gelado, sorvete, freskinha, picolé, ou como o quisermos chamar. De súbito a gula distraiu a nossa conversa e provar as doçuras, que uma geleira camping azul conservava, tornou-se numa tentação irresistível. Aproximamo-nos da senhora (doravante Élida) e, ao cumprimentá-la, demo-nos conta de que é da Guiné-Bissau. A seguir, pedimos dois gelados e Élida, lançando-nos um olhar meigo, enumerou as três opções que invariavelmente vendia: “vermelho é de morango, verde é de kiwi, e castanho…”, um de nós a interrompeu e perguntou imediatamente: “é de tambarina (tamarindo)?”. “Não, não, é de calabaceira”, disse, com uma voz baixa e sorrindo levemente. A nossa escolha recaiu sobre a freskinha de calabaceira.

A partir desse dia, saborear o sorvete de calabaceira converteu-se num “ritual” e abriu-nos as portas para uma longa e afetuosa etnografia junto a moradores, na sua maioria mulheres, no Vale da Amoreira ou Vale, como é carinhosamente chamado pelos seus habitantes. Ao longo da alameda, outras mulheres guineenses vendem outros produtos, tal como a maçaroca de milho. E criam outras agregações. Sendo o Vale uma localidade de grande dispersão espacial (uma área residencial com avenidas amplas e rotundas, vários conjuntos habitacionais separados entre si, com escolas, biblioteca e alguns poucos restaurantes e cafés espalhados), esta alameda que corta a avenida central do Vale proporciona pontos de encontro que são, ao mesmo tempo, pontos de passagem, e tornaram-se uma ramificação importante do projeto de investigação que conta com vários pesquisadores.


Gelado de calabaceira em saquinhos de plástico.
Fotografia de Rosângela Sança, que numa conversa com os investigadores partilhou um instantâneo da calabaceira.

Para dar início à nossa interação com as pessoas que passavam uma parte da tarde naquele pedaço do bairro, a primeira coisa que fazíamos, após cumprimentá-las, era comprar o gelado. Este vem envolto num plástico e, para sorvê-lo, é preciso arrancar uma ponta. A maior parte das crianças prefere o gelado vermelho ou o verde, mas os adultos tendem a escolher o castanho (calabaceira, portanto). Algumas pessoas passam por Élida e compram meia dúzia para partilhar em casa. Vende os gelados de março a outubro, época mais quente na qual a circulação e paragem das pessoas por esta esquina do bairro acontece. O tempo de sorver o gelado é o tempo de passagem de muitas pessoas por ali. Há jovens e adultos que voltam do trabalho; as crianças e adolescentes saindo das escolas e dirigindo um respeitoso “Boa tarde. Tia, quero um gelado, por favor”, ou “Olá, boa tarde. Tia, quero um sorvete vermelho, por favor”; ocorre também o reencontro de emigrantes com os seus familiares e amigues no querido mês de agosto; vizinhas e vizinhos sentados nos bancos a conversar, ou a passear os cães. No período em que estamos na alameda, acompanhamos as conversas, as brincadeiras trocadas, as discussões, os momentos de silêncio (há um silêncio bonito em certos momentos da tarde). Fomos vencendo, aos poucos, a timidez da interação com as senhoras que ali ficam e sendo, de certa forma, integrados numa dinâmica de convivialidade vespertina.


Excerto do diário de campo de Simone Frangella, desenho feito em conjunto com Max Ramos, em tarde pós-campo.

O próprio gelado é um assunto de grande conversa. Falar de calabaceira serve também para medir o grau de encontros e desencontros, de saberes e histórias que advêm daquela convivência quotidiana. A calabaceira é um fruto comum para os bissau-guineenses, cabo-verdianos e seus descendentes (que compõem uma parte importante dos residentes de origem africana do Vale da Amoreira), e é consumido em boa parte da Área Metropolitana de Lisboa. Para os demais habitantes do Vale e conviventes daquele lugar, a maior parte portugueses, a fruta tem diferentes gradações de intimidade. Sendo o bairro habitado por um grande contingente dos chamados retornados de África, não lhes era estranho falar da calabaceira; mas tanto para estes como para os demais portugueses, a fruta não estava incluída na sua alimentação diária. No entanto, era um ponto de conexão, seja para falar do que se “trazia” de África, seja porque a venda do gelado se tornou também um interessante momento agregador.

"Embondeiro sem fogueira”
Gravura de Giulia Cavallo, antropóloga-artista, desde que começou a desenhar e “antropologizar” que nos presenteia com múltiplas imagens do baobá e a sua visão intersecta com a nossa.
Diz-nos Giulia: “As redondezas do embondeiro recordam-me lugares que durante um tempo da minha vida se tornaram casa. Desenhar embondeiros é uma homenagem à memória e à afetividade”. 

Calabaceira. Conhecida por esse nome nas ilhas de Cabo Verde e na Guiné-Bissau, e por múkua em Angola, é a polpa-seca do fruto da calabaceira (Adansonia digitata L., da família das Malvaceae) – uma árvore de grande porte.[2] É designada também por baobá ou imbondeiro e pode viver centenas de anos. O baobá pode atingir até 30 metros de altura e é considerada uma árvore sagrada em certos países africanos (Senegal, por exemplo) e na religião afro-brasileira da umbanda (mas também no candomblé).[3] A grandiosidade do baobá sempre animou histórias e narrativas. Por exemplo, na cosmogonia yorubá, a árvore representa o nexo entre dois mundos, o sobrenatural e o material.[4]

A propósito da grandiosidade das árvores, suas simbologias e multiplicidade de histórias que elas acolhem, o baobá nos remete também ao Poilão (Ceiba pentandra), Polon (Guiné-Bissau) ou Pé di Polon (Cabo Verde). No livro Gente do Vale, o narrador de “A rapariga Mandjako” diz-nos que, quando vivia na Guiné-Bissau (em Cacheu), tinha medo do árvi di Polon, “onde se escondem os diabos”, e acrescenta que quando se “aproximava da árvore de polón, começava a correr e evitava passar por lá ao pôr do sol”.[5] À sombra do Poilão, Sombra di Polon, ocorreram importantes sociabilidades na Guiné-Bissau, como a transmissão de conhecimento intergeracional, as primeiras escolarizações corânicas, a alfabetização promovida pelo PAIGC, a Toka Tina, o Djambadon.[6] Uma referência que nos remete a essa árvore no Vale da Amoreira é o Polón Arte – uma associação que se tem dedicado ao teatro e a outras áreas artísticas, e que dá visibilidade ao talento de jovens do território e dos bairros limítrofes.[7]

Mas voltemos à calabaceira. O seu valor nutritivo tem sido frequentemente assinalado por ser rico em vitaminas – principalmente em vitamina C, minerais e antioxidantes. Além do gelado, o gosto e a socialização desse alimento se tem dado através do consumo do sumo da calabaceira (sumo di calbicera, em cabo-verdiano), tantas vezes prescrito como importante na redução do colesterol. O fruto pode ser encontrado em lojas que vendem produtos africanos em toda a Área Metropolitana de Lisboa. Muitas vezes é trazido ao Vale diretamente da Guiné-Bissau por residentes que fazem este comércio transnacional. Mas, para além de ser um bem alimentar, a calabaceira e a árvore que a produz atravessam, como vimos há pouco, mundos de cosmogonias e experiências. Esse fruto e as sensações que despertou em nós excede a sua materialidade. Inspirados em Fred Moten, até nos arriscamos a falar da “animaterialidade”[8] da calabaceira!  


A alameda, registada por Murilo Guimarães (julho de 2023), um dos investigadores do projeto, que nota: “Ultrapassado o manto de notícias depreciativas, que imprimem no Vale violências ferozes, sobressai-se a realidade duma conversa tranquila sob a copa generosa duma árvore oportuna”.

O gelado de calabaceira ou múkua tornou-se um elemento aglutinador que nos permite ter uma presença quotidiana interativa mais próxima, numa praça pública, num bairro cuja dispersão territorial e experiência de estigmatização tornam os contatos mais complicados. O momento de tomarmos o picolé abriu também espaço para sermos interpelados e explicarmos o que estávamos a fazer ali. Já para falar das memórias do Vale – o principal propósito da investigação – requeria mais gelados e tempo de conversa, até que se construísse uma narrativa fluida. Mas tomar o gelado permite-nos, de facto, ter mais tempo de conversa, de paragem, de silêncio conjunto, não embaraçoso, de risadas. Alivia ligeiramente a sensação potencialmente invasiva das interlocuções em campo. Na verdade, enquanto comprar e tomar o gelado possibilitou interações com as senhoras que ali estão todos os dias, também mitigou, por vezes, a nossa visibilidade para outros residentes ali de passagem, atenuando a nossa presença “estranha”. Muitas pessoas nos cumprimentam timidamente, mas não deixam de conversar, tecer fofocas, fazer críticas à nossa frente.

Ao mesmo tempo, o consumo do gelado e a conversa em torno dele tem promovido uma intensa circulação linguística. As conversas entrelaçam os crioulos (da Guiné-Bissau e de Cabo Verde) e o português na sua versão brasileira e portuguesa, e que são possíveis graças ao fato de um de nós falar crioulo. Paralelamente, ocorrem outras conversas em língua fula, inscrevendo a pluralidade linguística e as sociabilidades das gentes da Guiné-Bissau naquela esquina. Estas conversas abrem pontes divertidas e bonitas que nos permitem falar da memória das pessoas e do bairro. Somam-se a isso tudo as histórias de Guiné-Bissau, Portugal, Brasil, Cabo Verde, Angola, mas também de Marrocos, de França, Luxemburgo e Inglaterra, lugares que são parte da circulação transnacional de muitos dos frequentadores deste ponto na alameda.

 O consumo do gelado também nos permitiu assistir a vários momentos, narrativas, debates e histórias, através de fragmentos e de encontros feitos entre quem está de passagem e os que regularmente ficam naquele canto. A alameda é um caminho de passagem para os lugares de culto – seja para a capela católica, para a mesquita ou para uma igreja protestante. Cruzam-se pertenças religiosas diferentes, a comunicação entre esses fiéis flui sempre, entre o afetuoso e o cordato. Temas ou conversas menos consensuais são gerenciáveis.

A política é outro assunto que se insinua naquele lugar, em fragmentos de opiniões e reclamações. As demandas são muitas. Fala-se da política nacional de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Portugal, e até de Marrocos!, emergindo, por vezes, comentários acalorados. No debate político, evidencia-se quase sempre os problemas e desafios do Vale. À cabeça vem o abandono institucional que, entre outras questões, descuida a jardinagem da alameda, dizem-nos. E as reivindicações acumulam-se à nossa frente, como a ausência de serviços – alguns bem básicos. Não há uma única caixa de multibanco no bairro. Nem uma creche, para uma localidade com 17 mil pessoas. É o parque infantil por reabilitar. É o cerco policial da semana passada. É a sensação de não serem ouvidas pelas autoridades locais e nacionais.    

Nas conversas também emerge o silêncio das senhoras que residem bem perto dessa esquina em relação a outros quarteirões do Vale, lugares que não frequentam, e sobre os quais têm pouca informação. Lugares que às vezes parecem outros, longínquos, embora se situem a 700 metros dali. Este canto da alameda – frequentado, em parte, por pessoas que estão no bairro há apenas duas décadas – tornou-se um pedaço nodal de memória, uma das tantas perspetivas singulares na teia que a nossa circulação (investigadores do Constelações) tem criado no bairro.

Ainda a partir dessa borda da alameda, e no tempo que ali ficamos, temos a oportunidade tanto de sentir os movimentos de passagem – como a saída dos alunos da escola, a chegada das pessoas dos seus trabalhos –, como apreender momentos eventuais que remetem sempre às tensões que sublinham o bairro.  Presenciámos, por exemplo, uma ação envolvendo técnicos da câmara municipal e agentes da PSP que retiraram migrantes, de diferentes países asiáticos, de um antigo estabelecimento comercial (uma antiga pastelaria). Alguns meses mais tarde, esse espaço (e suas adjacências) foi transformado num pequeno centro comercial administrado por migrantes sul-asiáticos.

O gelado tornou-se, de facto, gulodice de campo, e um reforço da nossa presença no canto da alameda. É quase impossível chegar àquele lugar e não o comprar. Tornou-se parte do nosso cumprimento de chegada, e uma maneira de estar ali sem justificações. Despertou também um arcabouço de experiências da infância. Max recordou as freskinhas ou sorvet que sorveu nas ilhas de Cabo Verde. Simone, embora não tenha conhecido a calabaceira antes, tem o registo dos picolés sendo tomados nas ruas do seu bairro no Brasil, fato que partilhou junto às interlocutoras, gerando um tipo de common ground. Ademais, sendo uma gulodice, o picolé de calabaceira traz questões de saúde e inspira atos de cuidado e afeto. Aos nossos comentários de que estamos a consumir muito açúcar, ou de que às vezes não podemos tomar o gelado porque estamos ou ficámos doentes. Élida se preocupa e aconselha sobre a nossa saúde, enviando inclusive mensagens pelo whatsapp. Cria-se um mundo de afeto e confiança que, aliás, marca a nossa relação enquanto equipa naquele lugar. Quando um de nós chega sozinho, as senhoras sempre perguntam pelo outro. Com o tempo de trabalho de campo, os demais integrantes do projeto também lá chegaram para tomar o gelado e conhecer aquele canto da alameda, e agora perguntam sempre por todas nós. 

O gelado de calabaceira gerou uma prática de mutualidade, algo tão importante no fazer antropológico e que tem consequências tão diversas e inesperadas. No nosso caso, neste espaço circunscrito dentro do Vale, possibilitou o tempo necessário para ganhar confiança dos nossos interlocutores, trocas materiais que nos trazem gosto de infância e favorecem a nossa permanência num espaço rico de observação e interação e, em torno do gelado desta fruta, as teias de memória e representações do Vale se entremeiam. Não foi proposital, mas tornou-se um grande achado deste caminhar etnográfico partilhado; não é um recurso único nem vasto, mas é uma destas possibilidades na qual tropeçamos para começar uma engrenagem, além do nosso afeto pelo Vale!



Simone Frangella é doutorada em Ciências Sociais/Antropologia pela Universidade de Campinas, Brasil e atualmente investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais (ICS-ULisboa). É co-coordenadora do projeto da FCT “Constelações de memória: um estudo multidirecional da migração e memória pós-colonial (PTDC/SOC-ANT/4292/2021), coordenado por Elsa Peralta.

Max Ruben Ramos doutorou-se em Antropologia pelo ICS – Universidade de Lisboa e foi investigador de pós-doutoramento no CES – Universidade de Coimbra. Foi também docente na Universidade de Cabo Verde e no ISCEE. Atualmente é investigador do projeto “Constelações de memória: um estudo multidirecional da migração e memória pós-colonial” (PTDC/SOC-ANT/4292/2021), coordenado por Elsa Peralta e Simone Frangella, Universidade de Lisboa. 
[1] Este artigo é produzido no âmbito do projeto FCT “Constelações de memória: um estudo multidirecional da migração e memória pós-colonial” (PTDC/SOC-ANT/4292/2021). [2] Ver, “Flor e fruto de calabaceira, Guiné”, Peça do Mês, IHMT – UNL, 2013. Disponível em: https://www.ihmt.unl.pt/flor-e-fruto-de-calabaceira-guine/ [3] Sobre este assunto, ver Francisco Carlos de Lucena, 2009, “Uma etnografia dos significados da Louvação a Baobá: Sentidos da África no Brasil, Revista África e Africanidades, 2 (5): 2. [4] Ver, a propósito, o seguinte artigo: “Baobá – árvore símbolo das culturas africanas”, Geledês, 2011. Disponível em: https://www.geledes.org.br/baoba-arvore-simbolo-das-culturas-africanas/ [5] Excertos extraídos de Rui Catalão, 2020, Gentes do Vale, Moita: GHOST Editions – Município da Moita. [6] Sobre todos estes temas, ler Maurício Wilson Camilo da Silva, 2017,  “Sombra di Polon: o embrião das moranças e tabankas da herança kaabunke”, Revista África e Africanidades, X (25). [7] Informação consultada em: Vanessa Sanches, 2021, “Joãozinho da Costa e o trabalho coletivo na ascensão de novas narrativas no teatro”, Bantumen. Disponível em: https://bantumen.com/joaozinho-da-costa/ [8] Fred Moten, 2003, In the Break: The Aesthetics of Black Radical Tradition. Minneapolis – London: University of Minnesota Press. 

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