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Vol. 29 (1)
2025



Artigos

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

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Artigos

“Preventing them from being adrift”: challenges for professional practice in the Argentinean mental health system for children and adolescents

Axel Levin

This ethnographic article addresses the difficulties, practices, and strategies of the professionals of the only Argentine hospital fully specialized in the treatment of mental health problems of children and adolescents. More specifically, it

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Artigos

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

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Artigos

To migrate and to belong: intimacy, ecclesiastical absence, and playful competition in the Aymara Anata-Carnival of Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

The article analyzes the Anata-Carnival festivity celebrated in the Andean town of Chiapa in the Tarapacá Region, Great North of Chile. I suggest that this celebration constitutes one of the main events that promote the reproduction of feelings of

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Artigos

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

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Memória

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

The difficult balance between work and life: care arrangements in three generations of Cape Verdean migrants

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

The reconciliation of the personal, work and family spheres of migrants is an emerging issue in migration studies, with concepts such as the transnational family and global care chains. In this contribution we analyse the strategies deployed by

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Debate

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

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Debate

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

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Debate

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

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Debate

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

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Nota sobre a capa

Nota sobre a capa

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

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Vol. 28 (3)
2024



Artigos

Conveniências contingenciais: a antecipação como prática temporal dos inspetores do SEF na fronteira aeroportuária portuguesa

Mafalda Carapeto

Este artigo surge no seguimento do trabalho etnográfico realizado num aeroporto em Portugal, onde de junho de 2021 a abril de 2022 acompanhei nos vários grupos e turnos o quotidiano dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A

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Artigos

Cotidiano e trajetórias vitais situadas de mulheres idosas (AMBA, província de Buenos Aires, Argentina): a incidência da pandemia de Covid-19

Ana Silvia Valero, María Gabriela Morgante y Julián Cueto

Este trabalho pretende dar conta das interseções entre diferentes aspetos da vida quotidiana e das trajetórias de vida das pessoas idosas num espaço de bairro e a incidência da pandemia de Covid-19. Baseia-se no desenvolvimento sustentado,

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Artigos

As reconfigurações do culture jamming no ambiente digital: o caso dos memes anticonsumismo na campanha #antiblackfriday (Brasil)

Liliane Moreira Ramos

Neste artigo discuto as reconfigurações do fenômeno chamado de culture jamming, característico da dimensão comunicativa do consumo político, a partir da apropriação de memes da Internet como uma ferramenta de crítica ao consumo. Com base na

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Artigos

Informal economies in Bairro Alto (Lisbon): the nocturnal tourist city explained through a street dealer’s life story

Jordi Nofre

The historical neighbourhood of Bairro Alto is the city’s most iconic nightlife destination, especially for tourists visiting Lisbon (Portugal). The expansion of commercial nightlife in this area has been accompanied by the increasing presence of

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Artigos

A pame theory of force: the case of the xi'iui of the Sierra Gorda of Querétaro, Mexico

Imelda Aguirre Mendoza

This text analyzes the term of force (mana’ap) as a native concept formulated by the pames (xi’iui) of the Sierra Gorda de Querétaro. This is related to aspects such as blood, food, cold, hot, air and their effects on the body. It is observed

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Artigos

Convergences and bifurcations in the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals from Mexico and Brazil

Mariana da Costa Aguiar Petroni e Gabriel K. Kruell

In this article we present an exercise of reflection on the challenges involved in writing and studying the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals in different geographical, historical and political scenarios: Mexico and Brazil,

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Artigos

A história através do sacrifício e da predação: território existencial tikmũ,ũn nas encruzilhadas coloniais entre os estados brasileiros de Minas Gerais e Bahia

Douglas Ferreira Gadelha Campelo

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Artigos

“Pra virar gente”: a imitação afetuosa nas relações das crianças Capuxu com seus bichos

Emilene Leite de Sousa e Antonella Maria Imperatriz Tassinari

Este artigo analisa as experiências das crianças Capuxu com os animais de seu convívio diário, buscando compreender como as relações das crianças com estas espécies companheiras atravessam o tecido social Capuxu conformando o sistema

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Artigos

Laboratórios de ciências biológicas como práticas: uma leitura etnográfica da anatomia vegetal em uma universidade da caatinga (Bahia, Brasil)

Elizeu Pinheiro da Cruz e Iara Maria de Almeida Souza

Ancorado em anotações elaboradas em uma etnografia multiespécie, este texto formula uma leitura de laboratórios de ciências biológicas como práticas situantes de atores humanos e não humanos. Para isso, os autores trazem à baila plantas

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Interdisciplinaridades

Mapas sensíveis nos territórios abandonados de estações férreas na fronteira Brasil-Uruguai

Vanessa Forneck e Eduardo Rocha

Esta pesquisa cartografa e investiga os territórios criados em decorrência do abandono das estações férreas, acentuado a partir dos anos 1980, nas cidades gêmeas de Jaguarão-Rio Branco e Santana do Livramento-Rivera, na fronteira

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Multimodal Alt

Uma etnografia gráfica como forma de afeto e de memória: aflições, espíritos, e processos de cura nas igrejas Zione em Maputo

Giulia Cavallo

Em 2016, três anos depois de ter concluído o doutoramento, embarquei numa primeira tentativa de traduzir a minha pesquisa etnográfica, em Maputo entre igrejas Zione, para uma linguagem gráfica. Através de uma série de ilustrações

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Recursividades

Desanthropic ethnography: between apocryphal stories of water, deep dichotomies and liquid dwellings

Alejandro Vázquez Estrada e Eva Fernández

In this text we address the possibility of deconstructing the relationships – that have water as a resource available to humans – that have ordered some dichotomies such as anthropos-nature, establishing that there are methodologies, theories

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Argumento

A Antropologia da Arte, a Antropologia – história, dilemas, possibilidades

Filipe Verde

Neste ensaio procuro primeiro identificar as razões do lugar marginal que a arte desde sempre ocupou no pensamento antropológico, sugerindo que elas são a influência da conceção estética de arte e da metafísica que suportou o projeto das

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Recensões

Um jovem caçador de lixo na Mafalala, nas décadas de 1960 e 1970

Diogo Ramada Curto

Celso Mussane (1957-) é um pastor evangélico moçambicano. Licenciou-se na Suécia (1994) e tirou o curso superior de Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Londrina no Brasil (2018). Entre 2019 e 2020, publicou

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Recensões

Alberto Corsín Jiménez y Adolfo Estalella, Free Culture and the City: Hackers, Commoners, and Neighbors in Madrid, 1997-2017

Francisco Martínez

Este libro tiene tres dimensiones analíticas: primero, es una etnografía del movimiento de cultura libre en Madrid. Segundo, es un estudio histórico sobre la traducción de lo digital a lo urbano, favoreciendo una nueva manera de posicionarse en

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Notas de Campo

Identidade(s) e negociação: a dança de veste e despe, despe e veste!

Raquel Mendes Pereira

19.09.2023

In an attempt to distance myself from the tourists' naked bodies, I decided to order some dresses from Arna, the village seamstress. Even so, throughout the research, my body and the way it was covered or uncovered continued to be the object of observation, not only by the villagers, but also by the tourists. The latter, for being "overdressed", even heard comments like: "Don't take this the wrong way, but the Portuguese are very conservative, aren't they?". 

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0002.0xhb-wr26

Na tentativa de me distanciar dos corpos desnudados dos turistas e integrar-me, decidi encomendar alguns vestidos à Arna, a costureira da aldeia. Ainda assim, ao longo de toda a pesquisa, o meu corpo e o modo como era tapado ou destapado continuaram a ser objeto de observação, não só pelos habitantes das aldeias, mas também pelos turistas. Os últimos, por andar “demasiado” vestida, chegando a ouvir comentários como: “Não leves a mal, mas os portugueses são muito conservadores, não são?”

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0002.0xhb-wr26

En un intento por distanciarme de los cuerpos desnudos de los turistas y por integrarme, decidí encargar algunos vestidos a Arna, la costurera del pueblo. Aun así, durante toda la investigación, mi cuerpo y la forma de cubrirlo o descubrirlo siguieron siendo objeto de observación, no sólo por parte de los aldeanos, sino también de los turistas. Estos últimos, por ir "demasiado vestidos", llegaron a oír comentarios como: "No te lo tomes a mal, pero los portugueses son muy conservadores, ¿no?"

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0002.0xhb-wr26
Pour tenter de me démarquer des corps nus des touristes et de m'intégrer, j'ai décidé de commander des robes à Arna, la couturière du village. Malgré cela, tout au long de la recherche, mon corps et la façon dont il était couvert ou découvert ont continué à faire l'objet d'observations, non seulement de la part des villageois, mais aussi de la part des touristes. Ces derniers, pour avoir été "trop habillés", ont même entendu des commentaires tels que : "Ne le prenez pas mal, mais les Portugais sont très conservateurs, n'est-ce pas ?

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0002.0xhb-wr26

Notas de Campo são textos originais que disponibilizam um olhar e uma reflexão sobre experiências de investigação com apresentação de vinhetas de trabalho de campo. Os autores são convidados a incorporar representações multimodais (texto, som e imagem nos mais variados formatos) que facilitem acessos aos factos, materialidades, envolvimentos, interacções, relações e interacções possibilitadas durante o trabalho de campo. Uma secção que abre a porta aos modos como os antropólogos produzem conhecimento quando fazem as suas pesquisas, valorizando os dados em bruto, os materiais por analisar, as impressões e as imprecisões, a circunstacialidade e a natureza gerundial do fazer antropologia e que convida a soluções criativas que nos façam entrar ou aproximar às experiências vividas pelos antropólogos no campo.


Nesta peça, Raquel Pereira revisita a sua experiência de trabalho de campo em Goa, Índia, onde esteve entre Novembro de 2016 e Abril de 2018, particularmente com os Pagi. Uma reflexão que nos convida à experiência do estranhamento e na qual se fala de corpo(s), vestuário(s) e de ser mulher.






Fig. 1 – “O vestido!”. Retrato da investigadora capturado pelo seu marido durante o trabalho de campo. Fotografia digital editada no Adobe Photoshop pela investigadora.


Na tentativa de me distanciar dos corpos desnudados dos turistas e integrar-me, decidi encomendar alguns vestidos à Arna, a costureira da aldeia. Ainda assim, ao longo de toda a pesquisa, o meu corpo e o modo como era tapado ou destapado continuaram a ser objeto de observação, não só pelos habitantes das aldeias, mas também pelos turistas. Os últimos, por andar “demasiado” vestida, chegando a ouvir comentários como: “Não leves a mal, mas os portugueses são muito conservadores, não são?”. Ri, muitas vezes, por conta destas observações.


Entre os corpos cobertos dos meus interlocutores e os desnudados dos turistas (e a imensa vontade de me juntar aos segundos), estava ciente de que adotar a indumentária turística não seria o mais conveniente para a pesquisa. A menção à “white flesh” feita por um interlocutor católico[1], poucos dias após ter aterrado na aldeia, serviu de aviso – para bom entendedor, meia palavra basta. Adotar o vestuário das mulheres Pagi, por sua vez, significaria não sobreviver às difíceis condições atmosféricas que se faziam sentir durante a maior parte do ano. Assim, decidi criar um estilo próprio. Esta decisão, no entanto, não foi tomada sem uma certa negociação, recordando-me para sempre das palavras das mulheres quando lhes expliquei o que pretendia, especialmente no que se referia ao tamanho das mangas e à maior ou menor exposição dos meus ombros. Por oposição ao conjunto de kurta-calça/leggings de algodão grosso, que me chegou a ser proposto, ou à nighty, longa demais, insisti nos vestidos, convencida que eles permitiriam uma maior circulação de ar, tornando mais toleráveis as altas temperaturas e índices de humidade desesperantes (ou assim esperava...). Finalmente, lá encomendei os ditos vestidos!


Contudo, como noutros momentos, esqueci-me de que na aldeia tudo decorre sem “tension”, conforme o Uja me lembrava (muitas vezes!). Os dois ou três dias rapidamente se transformaram num mês de espera. Findo este período, as inúmeras tentativas para marcar um encontro lá surtiram efeito e, finalmente, a Arna, acompanhada das miúdas da Shi e do Uja, conseguiu visitar-me. “É hoje! Vou ter os meus vestidos!”, pensei eu! Porém, não foi bem isso que aconteceu…


A minha encomenda deixou a Arna radiante – mais uma cliente para a sua lista! E eu, por vários motivos, também estava muito feliz. Gostava da Arna, era uma pessoa muito simpática e empática. E, portanto, o estabelecimento de um contacto mais próximo não demorou. Como costureira da aldeia, ela vendia e fazia roupa para todos os habitantes. Para além da roupa, a loja da Arna, era um verdadeiro paraíso de bijuterias. No entanto, ela insistiu que as provas dos primeiros vestidos deveriam acontecer na minha casa. Tentei mudar a visita para a loja, para acelerar o processo, mas nem tudo era negociável. 


Com uma hora de atraso e já no final da tarde, lá apareceu a Arna. Apesar do meu entusiasmo, este seria de curta duração. Os problemas não tardaram: o vestido era um tamanho abaixo do meu (embora ela me tivesse tirado as medidas) e o modelo significativamente diferente do que tinha pedido, apesar de todas as minhas tentativas de negociação. A situação não tardou a transformar-se numa risada incontrolável: o meu peito mal cabia no vestido e, daí para baixo, o tecido criava um balão gigante que chegava às canelas. Percebi de imediato que deveria ter respeitado os ritmos locais, em vez de insistir (mas o desespero estava a tomar conta de mim!). Tornou-se óbvio que a Arna ainda não tinha colocado mãos à obra, e, portanto, sem nada para me apresentar, recorreu a um plano de última hora na tentativa de não me desapontar.


Lá voltei a mostrar o que pretendia: um modelo simples e direito, com um corte e medidas que não desagradasse totalmente a ninguém, e que me servisse, ou seja, largo, mas não tanto, para que o ar circulasse, mas a minha pessoa não se perdesse no meio da coisa. Os altos índices de temperatura e humidade detestam roupa apertada. Estávamos naquela época do ano em que transpirávamos à lá torneira, sem que qualquer líquido ingerido ou existente no nosso corpo resistisse. Quase nos podíamos transformar numa espécie de máquina a vapor, só não deitávamos fumo porque o suor não condensava; era possível, com o calor que se fazia sentir! O certo é que escorria suor intensamente pelos nossos corpos. As alergias, provocadas por essa transpiração, eram comuns, como se pode imaginar. Dada a calamidade da situação, a Arna tirou-me novamente as medidas. Além disso, insisti que levasse um vestido meu consigo, para garantir a precisão das dimensões de cada recanto da minha pessoa.


Quem lê isto até pode pensar que ela era uma má costureira. Não, de todo! Simplesmente, não me quis desapontar. Certo, é que nos fartámos de rir! Eu, a Arna, as miúdas e o meu marido, que foi várias vezes expulso de casa. Todos confinados numa casa com metade do telhado em zinco, que transformava a pequena habitação num forno, sem ventoinha e comigo a morrer de calor e quase a afogar-me em suor, numa contínua dança de veste e despe, despe e veste! A risada foi muito divertida, mas não me ajudava e só atrasava o raio da prova. O único momento de alívio acontecia quando elas permitiam a entrada do meu marido para ele dar a sua opinião, antes de expulsá-lo novamente. Ele, bastante surpreendido, ainda chegou a dizer-lhes: “Mas, eu sou o marido… (como quem diz, não há nada que eu já não tenha visto!)”. A observação não surtiu qualquer efeito e a resposta foi prontamente lançada: “És o marido, mas isto é a Índia”! Para mim, porém, a entrada e saída constante do meu marido trazia algum alívio – sempre fazia correr algum ar naquela casa.


Foi assim o dia! 

***



Fig. 2 – “Pescador Pagi a levantar uma rede”. Imagem capturada pela investigadora. Fotografia digital.


A indumentária dos Pagi passou por transformações nas últimas décadas. Nos anos de 1990, no dia-a-dia, ainda era comum os homens usarem apenas uma tanga branca, enrolada em si mesma, cobrindo toda a cintura, ou presa por um fio, tapando apenas os órgãos genitais. Nas idas à cidade e noutras ocasiões mais formais, a opção recaía por um conjunto composto de uma camisa e um pano atado à cintura. Hoje, no quotidiano, os homens usam calções e calças com t-shirts de manga curta ou camisas coloridas. Nos casamentos, se os noivos continuam a vestir os trajes tradicionais, os convidados homens optam cada vez mais pelo fato completo (blazer, calça, camisa e gravata) ou calça e camisa, em vez do típico conjunto kurta-pyjama. Este último é composto de uma túnica comprida, calças ajustadas à cintura e tornozelo, mas largas ao longo da perna, e um lenço caído sobre os ombros. A indumentária deve ser acompanhada de mojaris (calçado tradicional). Nos eventos rituais, se os homens assumirem alguma função ritualista, trajam também vestuário para o efeito.


O traje dos Pagi não se distingue do vestuário utilizado por outros grupos hindus de Goa, ou seja, não existe um elemento único que os diferencie neste aspeto. Por seu turno, os homens católicos, que também residem nas aldeias onde realizei a pesquisa, tal como os hindus, no dia-a-dia, usam igualmente calções ou calças com t-shirt ou camisa e, em ocasiões especiais, optam pelo fato completo[2].


Fig. 3 – “Mulheres Pagi: indumentária”. Fotomontagem produzida pela investigadora no Adobe Photoshop, com desenhos a carvão, digitais e imagens fotográficas da sua autoria.


Contrariamente aos seus pares masculinos, tanto as mulheres Pagi como as católicas, nas aldeias onde realizei a pesquisa, vestem-se de acordo com a sua afiliação religiosa. Assim, no quotidiano, as primeiras tendem a usar uma túnica de algodão, tipo vestido, comprida e de manga curta, que designam de nighty ou um conjunto composto de uma túnica aberta dos lados (kurta), que se estende até à linha do joelho ou abaixo, e calças largas ajustadas na cintura e tornozelo; embora o uso de leggings seja também muito comum. Para as idas à cidade e ocasiões especiais, como casamentos e cerimónias religiosas, elas optam pelos seus melhores trajes que incluem o sari de seda. Todavia, em determinadas cerimónias rituais, as mulheres Pagi adotam também o sari de algodão utilizado pelos grupos tribais[3], que é disposto e atado de modo distinto ao corpo, deixando a zona dos gémeos exposta. O tipo de vestuário e adereços, que incluem uma multiplicidade de itens (um número determinado de pulseiras, diferentes tipos de colares (e.g., o mangalsutra e outros ricamente ornamentados e preferencialmente em ouro), anéis para mãos, pés e nariz, pulseiras de tornozelo, flores e outros enfeites para o cabelo, entre outros), cumprem não só funções específicas, como atuam enquanto marcadores de distinção entre mulheres casadas, solteiras e viúvas.  Já as mulheres católicas, no dia-a-dia, optam pelo uso de um conjunto de t-shirt ou camisa, combinadas com uma saia abaixo do joelho, ou por vestidos casuais de manga curta. Para ocasiões especiais, a escolha recai tendencialmente sobre o uso de vestidos de cerimónia.

***


Apesar das inerentes dificuldades à entrada em qualquer terreno, não demorei a ser aceite. Numa das aldeias onde realizei a pesquisa, fui convidada para um casamento ao fim de um mês. Quando questionei as mulheres Pagi sobre o que devia trajar, a resposta foi uníssona: sari! “E o meu marido? Ele não trouxe um fato.”, repliquei. “Kurta-pyjama”, respondeu Shi. “Compras em Chaudi. (…) O sari, não te preocupes. Nós temos tudo para ti!”.  Assim foi.


Fui vestida com o sari da esposa do Uja, que me emprestou também o seu estimado fio de ouro, oferecido pelo marido, e os seus brincos do mesmo metal precioso, símbolo auspicioso e de prosperidade. O mangalsutra, colar com missangas pretas, símbolo de mulher casada, e as pulseiras comprei-os à Arna. Foi todo um processo que envolveu também muito veste e despe, e momentos de desespero, porque não é fácil vestir e usar um sari num dia de temperaturas extremamente elevadas. O sari é composto de um pedaço de tecido de vários metros de comprimento que é enrolado à volta do corpo, o que requer bastante habilidade. Por baixo, veste-se um top de manga curta (choli) e um saiote que serve para prender o tecido. O resultado foi um sucesso.  Semanas depois, na aldeia e noutras adjacentes, ainda havia quem elogiasse a nossa indumentária: “Vocês estavam muito bem!”, diziam-nos. “O mérito foi todo das mulheres Pagi!”, retorquíamos diante dos elogios.


Fig. 4 – “O casamento”. Retrato fotográfico da investigadora e do seu marido capturado por uma interlocutora Pagi. Fotomontagem e edição de imagem com recurso a mesa gráfica efetuada pela investigadora no Adobe Photoshop.


***


O fazer antropológico implica negociações e sacrifícios, mas devemos deixar de ser quem realmente somos? Negociar a minha identidade num lugar com dinâmicas de género tão distintas foi um verdadeiro desafio. Foi preciso, uma elevada dose de bom senso e muita observação, para perceber os meus e os limites do outro. A presença do meu marido, permitiu rapidamente que uma identidade clara fosse produzida sobre mim. Eu era uma mulher casada. Contudo, a minha necessidade de manter certos aspetos da minha individualidade levou à construção de uma espécie de identidade híbrida sobre mim, por assim dizer.


Se no casamento adotei a indumentária mais tradicional, no dia-a-dia, as coisas eram diferentes. Não me comportava ou vestia como os turistas, ou até mesmo como uma estudante europeia, e também não cedi por completo ao vestuário das mulheres Pagi: troquei a túnica (kurta) de manga curta e apertada no peito, e as leggings de algodão grosso, por vestidos acima do joelho, incluindo alguns de alças. Além do vestuário, eu era uma mulher casada, mas apenas pelo civil, e não usava aliança. Era eu quem conduzia o carro. Era eu quem estudava os pescadores, não o meu marido, que simplesmente me acompanhava. Era eu quem não tinha religião e o afirmava abertamente: não era hindu, como alguns estrangeiros, muçulmana, nem sequer católica. No plano doméstico, se era eu quem lavava a roupa, o meu marido é que a estendia, e não era eu quem varria o pátio (tarefa indiscutivelmente feminina), mas sim ele: um equilíbrio de género na distribuição das tarefas domésticas que não passou despercebido.


Em muitos aspetos, não agia de maneira diferente dos homens Pagi, os meus interlocutores privilegiados, o que resultou numa certa masculinização da minha pessoa. Porém, aos olhos deles e delas, nunca perdi também a minha feminilidade. Manter-me fiel, tanto quanto possível, à minha pessoa, não só me aproximou dos homens, dando-me acesso a espaços reservados a eles, como das mulheres que, frequentemente, ansiosas por mudança, me confidenciavam as suas considerações sobre a vida marital ou o papel da mulher em geral. Assim, se não demorei a ouvir delas, “Tens um bom marido!”, ele não tardou a ouvir deles, “A tua mulher é forte. Algumas são assim, como os homens. Isso é bom!”. A alcunha que caracterizava a ambiguidade da minha pessoa também não tardou a chegar: “Hello! Lady fishermen!”. 

Raquel Mendes Pereira (raquelpereira@fcsh.unl.pt)



Raquel Maria Mendes Pereira é doutorada em Antropologia: Políticas e Imagens da Cultura e Museologia (ISCTE-IUL e NOVA FCSH), mestre em Antropologia: Globalização, Migração e Multiculturalismo (ISCTE-IUL) e licenciada em Antropologia (ISCTE-IUL). É investigadora integrada do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA-NOVA FCSH/IN2PAST) e do Grupo de Investigação, Desafios Ambientais, Sustentabilidade e Etnografia (DASE). No decorrer da sua pesquisa de doutoramento, que abordou a realidade complexa e conflituosa das áreas protegidas, realizou um trabalho de campo de longa duração (18 meses) no sul de Goa, na Índia, com um grupo de pescadores artesanais – os Pagi.
[1] Embora a minha pesquisa tenha sido realizada com os Pagi, uma casta de pescadores hindus de estatuto social baixo, os quais se constituíram como os meus interlocutores principais, no contexto da pesquisa, interagi também com outros grupos e indivíduos, seja nas aldeias ou noutras partes de Goa. [2] Convém mencionar que, devido à limitação de espaço e por servirem apenas como termo comparativo, as referências feitas à indumentária dos meus interlocutores católicos foram bastante sintetizadas. [3] No caso de Goa, estes grupos são de afiliação religiosa tanto hindu como católica e a maioria abandonou a sua indumentária tradicional no quotidiano. Por sua vez, é importante mencionar que os termos ‘tribo’ e ‘grupo tribal’, apesar de criticados e abandonados na antropologia, por replicarem lógicas evolucionistas e coloniais, eles continuam a ser utilizados na terminologia política indiana. 

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