English

Português

Español

Français

Colocar mensagem aqui

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Vol. 29 (1)
2025



Artigos

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

[+]


Artigos

“Preventing them from being adrift”: challenges for professional practice in the Argentinean mental health system for children and adolescents

Axel Levin

This ethnographic article addresses the difficulties, practices, and strategies of the professionals of the only Argentine hospital fully specialized in the treatment of mental health problems of children and adolescents. More specifically, it

[+]


Artigos

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

[+]


Artigos

To migrate and to belong: intimacy, ecclesiastical absence, and playful competition in the Aymara Anata-Carnival of Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

The article analyzes the Anata-Carnival festivity celebrated in the Andean town of Chiapa in the Tarapacá Region, Great North of Chile. I suggest that this celebration constitutes one of the main events that promote the reproduction of feelings of

[+]


Artigos

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

[+]


Memória

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

[+]


Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

The difficult balance between work and life: care arrangements in three generations of Cape Verdean migrants

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

The reconciliation of the personal, work and family spheres of migrants is an emerging issue in migration studies, with concepts such as the transnational family and global care chains. In this contribution we analyse the strategies deployed by

[+]


Debate

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

[+]


Debate

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

[+]


Debate

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

[+]


Debate

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

[+]

Nota sobre a capa

Nota sobre a capa

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

[+]

Vol. 28 (3)
2024



Artigos

Conveniências contingenciais: a antecipação como prática temporal dos inspetores do SEF na fronteira aeroportuária portuguesa

Mafalda Carapeto

Este artigo surge no seguimento do trabalho etnográfico realizado num aeroporto em Portugal, onde de junho de 2021 a abril de 2022 acompanhei nos vários grupos e turnos o quotidiano dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A

[+]


Artigos

Cotidiano e trajetórias vitais situadas de mulheres idosas (AMBA, província de Buenos Aires, Argentina): a incidência da pandemia de Covid-19

Ana Silvia Valero, María Gabriela Morgante y Julián Cueto

Este trabalho pretende dar conta das interseções entre diferentes aspetos da vida quotidiana e das trajetórias de vida das pessoas idosas num espaço de bairro e a incidência da pandemia de Covid-19. Baseia-se no desenvolvimento sustentado,

[+]


Artigos

As reconfigurações do culture jamming no ambiente digital: o caso dos memes anticonsumismo na campanha #antiblackfriday (Brasil)

Liliane Moreira Ramos

Neste artigo discuto as reconfigurações do fenômeno chamado de culture jamming, característico da dimensão comunicativa do consumo político, a partir da apropriação de memes da Internet como uma ferramenta de crítica ao consumo. Com base na

[+]


Artigos

Informal economies in Bairro Alto (Lisbon): the nocturnal tourist city explained through a street dealer’s life story

Jordi Nofre

The historical neighbourhood of Bairro Alto is the city’s most iconic nightlife destination, especially for tourists visiting Lisbon (Portugal). The expansion of commercial nightlife in this area has been accompanied by the increasing presence of

[+]


Artigos

A pame theory of force: the case of the xi'iui of the Sierra Gorda of Querétaro, Mexico

Imelda Aguirre Mendoza

This text analyzes the term of force (mana’ap) as a native concept formulated by the pames (xi’iui) of the Sierra Gorda de Querétaro. This is related to aspects such as blood, food, cold, hot, air and their effects on the body. It is observed

[+]


Artigos

Convergences and bifurcations in the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals from Mexico and Brazil

Mariana da Costa Aguiar Petroni e Gabriel K. Kruell

In this article we present an exercise of reflection on the challenges involved in writing and studying the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals in different geographical, historical and political scenarios: Mexico and Brazil,

[+]


Artigos

A história através do sacrifício e da predação: território existencial tikmũ,ũn nas encruzilhadas coloniais entre os estados brasileiros de Minas Gerais e Bahia

Douglas Ferreira Gadelha Campelo

[+]


Artigos

“Pra virar gente”: a imitação afetuosa nas relações das crianças Capuxu com seus bichos

Emilene Leite de Sousa e Antonella Maria Imperatriz Tassinari

Este artigo analisa as experiências das crianças Capuxu com os animais de seu convívio diário, buscando compreender como as relações das crianças com estas espécies companheiras atravessam o tecido social Capuxu conformando o sistema

[+]


Artigos

Laboratórios de ciências biológicas como práticas: uma leitura etnográfica da anatomia vegetal em uma universidade da caatinga (Bahia, Brasil)

Elizeu Pinheiro da Cruz e Iara Maria de Almeida Souza

Ancorado em anotações elaboradas em uma etnografia multiespécie, este texto formula uma leitura de laboratórios de ciências biológicas como práticas situantes de atores humanos e não humanos. Para isso, os autores trazem à baila plantas

[+]


Interdisciplinaridades

Mapas sensíveis nos territórios abandonados de estações férreas na fronteira Brasil-Uruguai

Vanessa Forneck e Eduardo Rocha

Esta pesquisa cartografa e investiga os territórios criados em decorrência do abandono das estações férreas, acentuado a partir dos anos 1980, nas cidades gêmeas de Jaguarão-Rio Branco e Santana do Livramento-Rivera, na fronteira

[+]


Multimodal Alt

Uma etnografia gráfica como forma de afeto e de memória: aflições, espíritos, e processos de cura nas igrejas Zione em Maputo

Giulia Cavallo

Em 2016, três anos depois de ter concluído o doutoramento, embarquei numa primeira tentativa de traduzir a minha pesquisa etnográfica, em Maputo entre igrejas Zione, para uma linguagem gráfica. Através de uma série de ilustrações

[+]


Recursividades

Desanthropic ethnography: between apocryphal stories of water, deep dichotomies and liquid dwellings

Alejandro Vázquez Estrada e Eva Fernández

In this text we address the possibility of deconstructing the relationships – that have water as a resource available to humans – that have ordered some dichotomies such as anthropos-nature, establishing that there are methodologies, theories

[+]


Argumento

A Antropologia da Arte, a Antropologia – história, dilemas, possibilidades

Filipe Verde

Neste ensaio procuro primeiro identificar as razões do lugar marginal que a arte desde sempre ocupou no pensamento antropológico, sugerindo que elas são a influência da conceção estética de arte e da metafísica que suportou o projeto das

[+]


Recensões

Um jovem caçador de lixo na Mafalala, nas décadas de 1960 e 1970

Diogo Ramada Curto

Celso Mussane (1957-) é um pastor evangélico moçambicano. Licenciou-se na Suécia (1994) e tirou o curso superior de Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Londrina no Brasil (2018). Entre 2019 e 2020, publicou

[+]


Recensões

Alberto Corsín Jiménez y Adolfo Estalella, Free Culture and the City: Hackers, Commoners, and Neighbors in Madrid, 1997-2017

Francisco Martínez

Este libro tiene tres dimensiones analíticas: primero, es una etnografía del movimiento de cultura libre en Madrid. Segundo, es un estudio histórico sobre la traducción de lo digital a lo urbano, favoreciendo una nueva manera de posicionarse en

[+]

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Found in Translation

Antropologia em língua árabe: para lá do monopólio discursivo

Abdellah Hammoudi

Tradução de Ilham Houass e Diane Abd-El-Karim

Revisto por Francisco Freire e Abdallah Hammoudi

12.03.2024

The text by Moroccan anthropologist Abdellah Hammoudi, which we find here today in Portuguese, was originally published in Arabic in 2018 as an introduction to the book Distance and Analysis: Towards the Formulation of an Arab Anthropology (Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca: Éditions Toubkal). While geography and history bring Portugal and Morocco closer together, this context remains distant from the concerns and interests of their audiences, be they academics or those considered in general, with a few exceptions (in the field of anthropology, I'm thinking above all of the work of Maria Cardeira da Silva, well known to readers of Etnográfica). This "distance in proximity" (which Abdellah Hammoudi explores in the text translated here, linking it, in his case, to fieldwork experience) will be one of the justifications for the lack of any Portuguese translation of this author's significant corpus of work - which he has been publishing in Arabic, French and English for over 40 years. 

Beyond this eminently contextual aspect, associated with relations between two neighbouring countries, this publication can be thought of more broadly. The Portuguese translation of this text stands out on several levels: it supports the focus on Arab and Islamic contexts recognised in Etnográfica's collection; in view of the pressing topicality of the subject, since the author, in addition to the significant theoretical contributions associated with anthropological methodologies, seeks to define future paths for an anthropology that must position Arabic-speaking voices on a global scale; and, finally, it puts forward ways of doing (and writing) anthropology that confront hegemonic (linguistic, academic or cultural) orders. The text translated here, which the author was keen to title "Anthropology in Arabic: beyond the discursive monopoly", is thus in line with what I anticipate for the Found in translation section inaugurated in this issue of the journal.
O texto do antropólogo marroquino Abdellah Hammoudi, que hoje encontramos aqui vertido em português, foi originalmente publicado em árabe, em 2018, como introdução ao livro A distância e a Análise: Para a Formulação de Uma Antropologia Árabe (Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca: Éditions Toubkal). Se a geografia e a história aproximam Portugal e Marrocos, este contexto permanece distante das preocupações e interesses dos seus públicos, sejam eles académicos ou considerados de maneira geral, salvo distintas exceções (na área da antropologia penso sobretudo do trabalho de Maria Cardeira da Silva, bem conhecido dos leitores da Etnográfica). Essa “distância na proximidade” (que Abdellah Hammoudi explora no texto aqui traduzido, ligando-a, no seu caso, à experiência de trabalho de campo) será uma das justificações para a inexistência de qualquer tradução portuguesa do significativo corpus de trabalho deste autor – que vem publicando em árabe, francês e inglês há mais de 40 anos.

Para além deste aspeto eminentemente contextual, associado às relações entre dois países vizinhos, pode pensar-se esta publicação de forma mais ampla. A tradução portuguesa deste texto destaca-se em diversos níveis: suportando o foco em contextos árabes e islâmicos reconhecido no acervo da Etnográfica; face à atualidade premente do tema, uma vez que o autor, para além dos significativos contributos teóricos associados às metodologias antropológicas, procura definir caminhos futuros para uma antropologia que deve posicionar, à escala global, vozes em língua árabe; e, finalmente, avançando formas de fazer (e de escrever) antropologia que afrontam ordenamentos (linguísticos, académicos ou culturais) hegemónicos. O texto aqui traduzido, que o autor fez questão de intitular “Antropologia em língua árabe: para lá do monopólio discursivo”, vai assim ao encontro do que antecipo para a secção Found in translation inaugurada neste número da revista.
El texto del antropólogo marroquí Abdellah Hammoudi, que hoy encontramos aquí en portugués, fue publicado originalmente en árabe en 2018 como introducción al libro Distancia y análisis: hacia la formulación de una antropología árabe (Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca: Éditions Toubkal). Mientras que la geografía y la historia acercan Portugal y Marruecos, este contexto permanece distante de las preocupaciones e intereses de sus públicos, ya sean académicos o considerados en general, con algunas excepciones (en el ámbito de la antropología, pienso sobre todo en la obra de Maria Cardeira da Silva, bien conocida por los lectores de Etnográfica). Esta "distancia en la proximidad" (que Abdellah Hammoudi explora en el texto aquí traducido, vinculándola, en su caso, a la experiencia del trabajo de campo) será una de las justificaciones de la falta de traducción al portugués de la importante obra de este autor - que publica en árabe, francés e inglés desde hace más de 40 años.

Más allá de este aspecto eminentemente contextual, asociado a las relaciones entre dos países vecinos, esta publicación puede pensarse de forma más amplia. La traducción al portugués de este texto se destaca en varios niveles: apoya el enfoque en contextos árabes e islámicos reconocido en la colección Etnográfica; atiende a la actualidad apremiante del tema, ya que el autor, además de las importantes contribuciones teóricas asociadas a las metodologías antropológicas, busca definir caminos futuros para una antropología que debe posicionar las voces arabófonas a escala global; y, por último, propone formas de hacer (y escribir) antropología que se enfrentan a los órdenes hegemónicos (lingüísticos, académicos o culturales). El texto aquí traducido, que la autora tuvo a bien titular "Antropología en árabe: más allá del monopolio discursivo", se sitúa así en la línea de lo que anticipo para la sección Found in translation inaugurada en este número de la revista.
Le texte de l'anthropologue marocain Abdellah Hammoudi, que nous trouvons aujourd'hui en portugais, a été initialement publié en arabe en 2018 en tant qu'introduction au livre Distance et analyse : Vers la formulation d'une anthropologie arabe (Al-masāfa wa al-taḥlīl : fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca : Éditions Toubkal). Si la géographie et l'histoire rapprochent le Portugal et le Maroc, ce contexte reste éloigné des préoccupations et des intérêts de leurs publics, qu'ils soient universitaires ou considérés en général, à quelques exceptions près (dans le domaine de l'anthropologie, je pense surtout à l'œuvre de Maria Cardeira da Silva, bien connue des lecteurs d'Etnográfica). Cette "distance dans la proximité" (qu'Abdellah Hammoudi explore dans le texte traduit ici, en la liant, dans son cas, à l'expérience du terrain) sera l'une des justifications de l'absence de traduction portugaise de l'important corpus de cet auteur - qu'il publie en arabe, en français et en anglais depuis plus de 40 ans. 

Au-delà de cet aspect éminemment contextuel, lié aux relations entre deux pays voisins, cette publication peut être envisagée de manière plus large. La traduction portugaise de ce texte se distingue à plusieurs niveaux : elle soutient la focalisation sur les contextes arabes et islamiques reconnue dans la collection d'Etnográfica ; elle répond à l'actualité pressante du sujet, puisque l'auteur, outre les apports théoriques significatifs associés aux méthodologies anthropologiques, cherche à définir les voies futures d'une anthropologie qui doit positionner les voix arabophones à l'échelle mondiale ; enfin, elle propose des manières de faire (et d'écrire) l'anthropologie qui se confrontent aux ordres hégémoniques (linguistiques, académiques ou culturels). Le texte traduit ici, que l'auteur a tenu à intituler "Anthropologie en arabe : au-delà du monopole discursif ", s'inscrit donc dans la lignée de ce que j'anticipe pour la section Found in translation inaugurée dans ce numéro de la revue.



Esta rubrica pretende dar espaço a textos periféricos ou que estão fora da circulação académica, por razões linguísticas ou epistemológicas. Muito dos textos não traduzidos para línguas dominantes ou já acomodadas no circuito global das revistas de Ciências Sociais levam à difusão e reprodução desequilibrada de paradigmas de pensamento instalados. A Etnográfica propõe, assim, trazer para o fórum de discussão uma produção por vezes desconhecida e desafiante desses mesmos paradigmas, em termos de conteúdo, estilo e formato. Poderão incluir-se aqui traduções de obras de línguas e circuitos periféricos aos da produção dominante na academia, bem como de outros campos disciplinares e / ou ontológicos. 


Nota introdutória a “Antropologia em língua árabe: para lá do monopólio discursivo” (Abdellah Hammoudi, 2018)

Francisco Freire

O texto do antropólogo marroquino Abdellah Hammoudi, que hoje encontramos aqui vertido em português, foi originalmente publicado em árabe, em 2018, como introdução ao livro A distância e a Análise: Para a Formulação de Uma Antropologia Árabe (Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca: Éditions Toubkal). Se a geografia e a história aproximam Portugal e Marrocos, este contexto permanece distante das preocupações e interesses dos seus públicos, sejam eles académicos ou considerados de maneira geral, salvo distintas exceções (na área da antropologia penso sobretudo do trabalho de Maria Cardeira da Silva, bem conhecido dos leitores da Etnográfica). Essa “distância na proximidade” (que Abdellah Hammoudi explora no texto aqui traduzido, ligando-a, no seu caso, à experiência de trabalho de campo) será uma das justificações para a inexistência de qualquer tradução portuguesa do significativo corpus de trabalho deste autor – que vem publicando em árabe, francês e inglês há mais de 40 anos.


Para além deste aspeto eminentemente contextual, associado às relações entre dois países vizinhos, pode pensar-se esta publicação de forma mais ampla. A tradução portuguesa deste texto destaca-se em diversos níveis: suportando o foco em contextos árabes e islâmicos reconhecido no acervo da Etnográfica; face à atualidade premente do tema, uma vez que o autor, para além dos significativos contributos teóricos associados às metodologias antropológicas, procura definir caminhos futuros para uma antropologia que deve posicionar, à escala global, vozes em língua árabe; e, finalmente, avançando formas de fazer (e de escrever) antropologia que afrontam ordenamentos (linguísticos, académicos ou culturais) hegemónicos. O texto aqui traduzido, que o autor fez questão de intitular “Antropologia em língua árabe: para lá do monopólio discursivo”, vai assim ao encontro do que antecipo para a secção Found in translation inaugurada neste número da revista.


A proposta de uma antropologia contra-hegemónica, em língua árabe, é-nos aqui apresentada por um autor que fez praticamente toda a sua carreira académica em Princeton, nos EUA. O que poderia ser entendido por alguns como um gritante paradoxo, é solidamente clarificado pelo autor ao longo do texto. Hammoudi explora as complexidades intrínsecas ao papel do antropólogo no terreno de forma quase exegética, mergulhando na sua biografia até ao final dos anos 1960, momento em que iniciou a sua carreira de investigação nas regiões de Ouarzazate e do Vale do Draa, no sul de Marrocos. É aqui debatida, em profundidade, a possibilidade de distanciamento crítico e a validade metodológica do trabalho de um autor que observa “a sua casa” e que afronta a sua “filiação”, nas palavras do próprio. Refere-nos, também, desde essa primeira experiência de terreno, como a herança colonial em Marrocos (e, assumimos, em múltiplos outros contextos), ao contrário do que muitas vozes então clamavam, deveria ser abertamente considerada por qualquer investigador em ciências sociais e humanidades que trabalhasse aquela região/país. Hammoudi recusa o apagamento do passado colonial e, mais do que isso, afirma que os tipos de conhecimento gerados aquando do (longo) momento colonial, nas mais diversas geografias políticas, devem ser eles próprios alvo de análise e criticamente incorporados nas visões agora desenvolvidas.


Para além de questionar, precocemente, o legado colonial, Hammoudi interroga também o orientalismo saidiano que o deveria superar. Aqui, o autor distancia-se de posicionamentos que, para além de um apagamento da ordem política colonial, sugeriam também a eliminação das formas de produção de conhecimento que lhe estavam associadas, tais como a antropologia. É através desse olhar, que me surge mais analítico do que crítico (porventura associado à sua inicial formação em filosofia), que Hammoudi avança os fundamentos de uma antropologia em língua árabe. Fá-lo, sem negar a importância de todos os aspetos acima descritos e, mais do que isso, integrando-os no seu programa fundacional. Veja-se como Hammoudi, questionando o colonialismo, o reflete (tendo sido ele próprio escolarizado em língua francesa) e, afastando-se de uma visão radical do orientalismo de Said, não deixa de o considerar. E assim, o que poderia tomar-se num conjunto de paradoxos, possivelmente disfuncional, é plenamente acolhido na antropologia ensaiada por Abdellah Hammoudi.


A tradução portuguesa de um texto originalmente pensado para a vastíssima audiência de leitores de árabe não pode descrever-se como a publicação de um texto originário de um universo periférico, mas, isso sim, de o disponibilizar a um outro grupo de leitores possivelmente mais próximo da área cultural e científica que Hammoudi reputa de hegemónica. Ainda assim, creio que a incorporação de um texto originalmente escrito em árabe no fluxo científico global vai ao encontro do argumentário proposto pelo autor, que defende a antropologia como “um terreno de discussão e polémica”.


A ideia de trabalhar este texto em português surgiu em 2018, aquando da sua publicação em Marrocos. Encetei, desde então, contactos com o autor e, mais tarde, com as tradutoras. Foram realizadas múltiplas sessões de trabalho com Abdellah Hammoudi, aprofundadas durante o mês de janeiro de 2024, entre Princeton e o Lumiar. A generosidade das trocas realizadas entre autor e editor afastam-nas do mero trabalho editorial, ou de uma parceria estritamente académica. O texto aqui apresentado é assim de alguma forma distinto da sua versão original em árabe, tal o detalhe e interesse colocado pelo autor nas revisões meticulosamente realizadas.



Antropologia em língua árabe: para lá do monopólio discursivo


Abdellah Hammoudi


Tradução de Ilham Houass e Diane Abd-El-Karim


Revisto por Francisco Freire e Abdallah Hammoudi



Alguns leitores podem com razão interrogar-se quanto ao efetivo significado da expressão “antropologia em língua árabe”, uma vez que esta, ainda que cuidadosamente escolhida por mim, comporta diferentes significados, alguns deles contraditórios.[1]


“Antropologia em língua árabe” refere-se à antropologia escrita em árabe, a língua utilizada pela maioria dos habitantes do meu país – Marrocos –, e em inúmeros outros países magrebinos e árabes. Não é minha intenção excluir deste projeto outras línguas igualmente usadas na região (como o amazigue, o núbio ou o curdo), nem tão-pouco podemos excluir o francês e o inglês (assim como o espanhol e o português, no caso particular de Marrocos), pela sua importância na pesquisa científica, bem como pela sua atual prevalência em áreas cruciais (como a tecnológica, entre outras) de que não podemos hoje prescindir.


A minha utilização do termo “árabe” não se refere ao nacionalismo, ao patriotismo no seu sentido estrito, nem certamente ao chauvinismo. A língua árabe representa para mim aquele “enorme país”, que podemos aproximar também à expressão “mundo muçulmano”, onde espero que a antropologia crie raízes e se desenvolva. Foi apenas neste sentido que delineei este projeto, num processo que procura superar a mera imitação, que tem sido prática comum nas ciências sociais árabes desde há décadas.


Importa ainda assinalar o lugar de destaque que o árabe hoje ocupa entre as línguas do mundo,[2] sendo utilizado por árabes e por não árabes (amazigues, núbios, curdos, iranianos, paquistaneses, turcos, indianos), sem esquecer o seu papel fundamental nas esferas eminentemente religiosas. Sabemos também que é essa a língua usada por comunidades árabes cristãs, que historicamente lhe prestaram notáveis serviços, usando-a, por exemplo, durante o “renascimento árabe”.[3] Este contexto não evidencia apenas o reflexo (relativamente) modesto de um período histórico, devendo, isso sim, materializar o árabe como uma língua global, usada por árabes e por não árabes, e por populações etnicamente distintas. Sabemos que a história não se repete, mas creio que hoje é uma vez mais possível produzir conhecimento de excelente nível em árabe.


Assim, o objetivo principal deste texto é criar as bases para a produção de um outro discurso que ultrapasse a simples imitação/repetição e a situação de dependência cognitiva onde parecemos encontrar-nos. Essas bases estabelecem-se através de um processo de reestruturação da antropologia, delineando os contornos de uma mediação entre discursos herdados da antropologia clássica e colonial, e as posições e aspirações dos investigadores árabes em relação à reestruturação deste campo e à utilização do legado que lhes foi transmitido, após compreendê-lo em toda a sua complexidade. Esta abordagem difere da crítica à antropologia, tal como desenvolvida por uma corrente influente, especialmente nos Estados Unidos, que chega ao ponto de sugerir o abandono definitivo da antropologia, como defendido por Edward Said e seus seguidores.


Embora respeitando o trabalho do fundador desse movimento, e reconhecendo o serviço por ele prestado ao minar os pressupostos coloniais do discurso orientalista e de outros discursos ocidentais que foram e que continuam a ser dominantes, o objetivo do meu projeto é produzir uma alternativa a este tipo de conhecimento. Este deve ser gerado por investigadores magrebinos e do mundo árabe, com base nas aspirações das suas populações e centrado nas questões que as pessoas colocam diariamente a si mesmas nestas sociedades. A crítica aos discursos ocidentais, enquanto discursos dominantes, desempenha um papel vital nesse processo. Mas isso não pode, no entanto, substituir a necessidade de encontrar alternativas que visem a produção de um outro tipo de conhecimento que vá ao encontro das reais preocupações das populações desta região. Este projeto não pode tão-pouco negligenciar a globalização, ou os fenómenos pós-coloniais. No entanto, este novo tipo de conhecimento deve surgir das inquietações presentes na margem em que habitamos (ao sul do Mediterrâneo), nas margens da globalização. Quem vive nessa margem, marroquinos e outros na nossa região, apercebe-se das diferenças marcantes em relação à margem norte. As repercussões dos diversos fluxos associados à globalização são claramente sentidas na vida quotidiana das pessoas.


Já enfrentei a questão da pertença/filiação em toda a sua complexidade. O seu aspeto mais decisivo consiste na situação em que o investigador se relaciona com a sua própria “sociedade”: se por um lado procura distanciar-se, na realidade continua a encontrar-se intimamente comprometido com esta. Essa situação complexa, conforme a experienciei, pode ser ao mesmo tempo fecunda. Na verdade, creio que esta deve ser considerada como uma posição metodológica válida, entendida junto de outras situações possíveis, devendo ser explorada e discutida de maneira construtiva e objetiva.


Uma suposição subjacente ao meu posicionamento declara que a antropologia – e as ciências sociais em geral – deve tornar-se um terreno de discussão e polémica entre diferentes abordagens metodológicas. Isso implica que imaginemos que os sistemas de investigação e de ensino se distingam entre diferentes tradições nacionais, no sentido linguístico que antes lhe atribuí. Sou assim favorável a uma dinâmica de debate e interação entre diferentes experiências.


É também evidente que a formulação da antropologia neste contexto exige um programa que envolva várias disciplinas, onde devemos incluir a evolução humana, a pré-história, o estudo do passado, a exploração da literatura de viagens e do seu vasto acervo em língua árabe (também identificado noutras tradições linguísticas), ou o campo da genealogia, entre outros. Além disso, não podemos deixar de estudar as línguas, incluindo o amazigue, o hebraico, o darija,[4] e outras, especialmente africanas (dada a sua integração com o árabe e o amazigue, é evidente que as línguas e culturas africanas devem ter aqui um lugar privilegiado).


Estes são alguns exemplos que nos podem guiar, conscientes de que a natureza da pesquisa e do pensamento, assim como as tradições científicas herdadas e a trajetória histórica, exigem programas próprios para a investigação e ensino. Ao invés de continuarmos a imitar referências europeias e norte-americanas, parece-me importante valorizar a fertilização cruzada que, creio, apoiará a constituição de disciplinas que um dia se tornarão pioneiras, utilizadas quer por estudantes da região, quer de outras áreas geográficas, incluindo da Europa e da América. É esse o significado desejado e tangível da “competição” que proponho, que supõe a definição de uma nova visão do mundo e o declínio dos laços de dependência e dominação.


Estou consciente da existência de outros projetos que também propõem saídas à dependência cognitiva em que nos encontramos. Destaco, em particular, aquelas que nos apresentam a ideia de uma “sociologia islâmica”. Entre os pioneiros desse movimento, há quem tenha estabelecido programas para as ciências sociais alinhados com capítulos das ciências do Alcorão e da Sharia. Alguns pensadores de língua árabe, tais como Ibn Khaldoun, tornaram-se talismãs desse tipo de projeto; a sua simples alusão deveria trazer algo semelhante a um milagre a estas áreas de conhecimento. Outros autores pensaram combinar ideias bem conhecidas de Ibn Khaldun, com o que eles próprios pensam ser a “antropologia simbólica”. Avançaram ideias inconsistentes para uma nova teoria simbólica que se conjugava com tradições religiosas, e que serviriam, por exemplo, para uma explicação da criação e desenvolvimento humano. Na realidade, as gritantes inconsistências desta proposta falsificam toda a teorização existente em torno da antropologia simbólica. Uma outra corrente vem há décadas insistindo na necessidade de reformular as ciências sociais. Fá-lo de maneira pouco clara e sem benefícios tangíveis para a produção de conhecimento antropológico. Uma vez mais retomam autores como Ibn Khaldun, associado aqui a uma leitura pobre da teoria marxista e do nacionalismo árabe, como alternativas ao monopólio discursivo europeu. As contribuições deste movimento não excederam a produção de alguns livros – importantes – sobre Ibn Khaldoun e uma enorme quantidade de textos sobre o mesmo assunto que na maior parte dos casos apenas se repetem.


O projeto que aqui apresento procura ultrapassar os obstáculos que impedem a construção de uma antropologia em língua árabe, evitando as prévias tentativas ilusórias, baseadas em slogans e sem qualquer efetiva aplicação prática. Penso numa antropologia que deve contribuir para a formação de conhecimento por parte de académicos que escrevem em árabe, mas que atualmente publicam sobretudo numa língua estrangeira global, o inglês. O meu objetivo é competir globalmente com essa língua, acreditando nas capacidades dos homens e mulheres da nossa região.


Gostaria de concluir com uma observação sobre o uso da língua nativa e o uso de outras línguas. Uma das formas de criar distanciamento, num quadro de proximidade entre o investigador e o contexto em que trabalha, passa pela aprendizagem de línguas que não aquela que o investigador considera ser a sua língua de escrita, neste caso, o árabe. Parece-me vantajoso aprender uma língua estrangeira global de forma a aceder a territórios mais amplos. Mais benéfica ainda será a aprendizagem de uma terceira língua, ou várias outras, se possível. Aprender uma língua é entrar num novo mundo, permitindo, aquando do regresso do investigador ao seu universo de origem, uma visão renovada e diversificada. Navegar linguisticamente entre diferentes territórios contribui para a construção de uma distância em relação àquilo que nos é habitual e ao que nos está mais próximo. A prática da tradução como exercício contínuo é também, em minha opinião, uma das abordagens que a antropologia deve ter. Com a aprendizagem de outras línguas, conhecem-se também os seus mundos e culturas, diferentes da cultura do investigador. Conhecer algumas delas de perto é fundamental para a abordagem que proponho.


Escrever em inglês, ou francês, sobre sociedades do Magrebe ou do mundo árabe tem conotações e implicações que diferem da escrita sobre estes mesmos tópicos em árabe. Não insinuo aqui qualquer defeito ou falha, como alguns podem defender, a quem escreve em francês, inglês ou espanhol. Não! Eu defendo a diversidade linguística e o enriquecimento das fontes que nos estão disponíveis. No entanto, tenho a certeza de que o significado da globalização/dominação no nosso tempo é também, na verdade, a globalização de uma única língua: o inglês. Ou seja, uma globalização da dominação, se assim o podemos dizer. Este é um facto inegável, um processo histórico que nos ultrapassa e que está para lá da vontade dos próprios autores anglófonos. Devemos contudo ser prudentes, de modo a evitar cair em qualquer tipo de nativismo. Considere-se, por exemplo, o caso da Índia, onde o inglês coabita com o bengali, o hindi e tantas outras línguas; tal como se passa na Nigéria, ou no Gana, entre tantos outros países.


Embora, como disse, este fenómeno ultrapasse os investigadores falantes de inglês e aqueles que escrevem nessa língua – que não são responsáveis pela situação de dependência em que nos encontramos –, estes podem, ainda assim, contribuir para a manutenção do inglês como língua de dominação. Isto é particularmente problemático quando revisitamos, por exemplo, as críticas pós-coloniais e antropológicas que questionaram a antropologia clássica, entre outras. A sugestão de abandonar completamente a antropologia alastrou a diferentes contextos académicos, incluindo ao Magrebe e ao mundo árabe; questionar essa sugestão parece-me imperioso.


Esta questão coloca-se porque esse tipo de posicionamento surgiu precisamente em inglês, disseminando-se nessa língua dominante. Como antes referi, não pretendo destacar qualquer falha no facto de se escrever em inglês. O que me parece surpreendente é a falta de questionamento crítico por parte de quem escreve nessa língua, apesar de muitos dos autores que o fazem serem respeitados precisamente por criticarem a hegemonia ocidental, ou o colonialismo. Estes fenómenos extraordinários estão à vista de todos, ainda que muitos não os entendam. O uso do inglês parece incluir esses ângulos mortos, cujos pressupostos, aceites por muitos autores, impedem uma leitura crítica das razões subjacentes ao uso dessa língua.


O projeto de uma antropologia em língua árabe assume assim um vaivém entre línguas, não negando outras escritas, sejam elas o inglês ou outras. Este projeto pode adotar contribuições da crítica pós-colonial para lidar com as representações do “outro” e refletir sobre a hegemonia associada a vários discursos ocidentais. No entanto deve, ao mesmo tempo, tentar produzir discursos e conhecimentos alternativos que esclareçam a realidade das sociedades árabes.


Há quase 40 anos que publico em revistas árabes e francesas sobre problemáticas relacionadas com o destino da antropologia em Marrocos, no Magrebe e no mundo árabe de uma maneira geral. É evidente que os meus interesses se encontram também marcados pela comparação com a situação na Europa e nos Estados Unidos da América, em particular. A minha formação académica fez-se em filosofia e sociologia, iniciando a minha carreira de investigação com uma pesquisa na área do desenvolvimento rural nos oásis de Ouarzazate e vale do Draa em Marrocos (no final dos anos 60 do século passado). Aí, os limites das abordagens sociológicas clássicas tornaram-se rapidamente evidentes para mim. Ao mesmo tempo, destacava-se a importância da investigação histórica e a aproximação a uma abordagem etnográfica e antropológica na análise das estruturas sociais e culturais. O meu conhecimento dos métodos da história e da etnografia era modesto, mas o contexto de investigação obrigou-me a aprofundá-lo face às circunstâncias desafiadoras que então rodeavam as minhas pesquisas.[5]


Na introdução do meu livro La victime et ses masques (1988),[6] declarei que as análises que procurava desenvolver resultavam da minha identidade cultural marroquina. Esta posição difere da do antropólogo estrangeiro, uma vez que eu tinha de construir uma distância entre mim e a sociedade à qual pertenço, tentando pensá-la como objeto de investigação. Esse processo dialético, cujos contornos começaram a tornar-se claros no final dos anos 1980, encontrava-se já presente desde a minha primeira experiência de terreno.


O vale do Draa é arabofone e berberofone, e aí, enquanto investigador marroquino, senti-me sempre de alguma maneira “estrangeiro”, e ao mesmo tempo como fazendo parte daquela região. “Estrangeiro” devido às perguntas que fazia e que as pessoas entendiam ser de resposta demasiado óbvia; parte integrante daquele contexto devido ao meu envolvimento num importante projeto de desenvolvimento executado pelo Estado marroquino. Excluindo a particularidade de eu questionar o que era entendido como óbvio, as trocas com os meus interlocutores ocorriam naturalmente em áreas como a produção agrícola e artesanal, atividades comerciais, ou o relacionamento destes atores com a administração central. No entanto, em outras áreas, sentia-me até certo ponto “estrangeiro”, ainda que a minha posição não fosse a de um antropólogo europeu. Por fim, havia uma preocupação com o meu posicionamento político, com as minhas ações e com o trabalho que desenvolvia. Este aspeto abria-me muitas portas, mas também fechava outras. As relações mantidas com os meus interlocutores eram determinadas por estes equilíbrios. Tornou-se evidente que reunir informações ou inquirir sobre sistemas sociais e as suas regras resultava em fracasso sempre que as pessoas respondiam com silêncio ou com manobras dilatórias. O que acontecia com bastante frequência!


Decidi apostar no tempo e num esforço especial para estabelecer relacionamentos pessoais sólidos. Optei por trabalhar sobre questões económicas e da área do desenvolvimento junto de uma elite de intelectuais interessados na história da sua região, bem como sobre a documentação escrita que preservavam, maioritariamente em árabe. No entanto, a conclusão fundamental que emergiu dessa experiência foi a de alguém que faz parte e que ao mesmo tempo não pertence àquele contexto. Uma posição que, para além de ser aceite e incorporada, necessitava de uma fórmula adequada que me permitisse superar os seus aspetos mais negativos.


Entre o conhecimento já acumulado sobre esta região, havia aquele obtido por investigadores estrangeiros que me precederam, especialmente o conhecimento etnográfico e antropológico produzido em francês. A importância dessas informações complexificou o meu posicionamento, mas acabou também por baseá-lo. O que mais me surpreendeu nesse acervo foi o facto de este se encontrar repleto de observações que a minha experiência de campo confirmava. Encontrei, por exemplo, tratados entre tribos, escritos em árabe, remontando ao período pré-protetorado,[7] que foram posteriormente adotados pela administração colonial e mantidos após a independência. O mesmo ocorria em múltiplas outras questões, como a partilha da água, ou a divisão de territórios de pastagem entre tribos, clãs ou grupos de pastores. O dilema tornou-se evidente: se muitos apregoavam a rejeição desse tipo de conhecimento em nome da descolonização, a minha experiência no terreno apontava em sentido contrário. Essa experiência mostrava, de forma muito concreta, que abrir mão da herança colonial seria um erro. Contudo, reconstruir essa herança através de um novo sistema que desafiasse as suas suposições metodológicas e políticas parecia uma tarefa difícil, dada a inexistência de uma abordagem adequada que me permitisse alcançar esse objetivo.


Não obstante essas dificuldades, naquele momento parecia-me cada vez mais importante investir na reconstrução do legado colonial, em vez de abandoná-lo. Esta opção parecia-me não só necessária como vital. Decidi aprofundar essa posição saindo do meu contexto de filiação, por um lado, e, por outro, procurando abranger a integralidade da herança colonial, na esperança de construir bases epistémicas e metodológicas para uma nova formulação da produção de conhecimento, sem certezas quanto às suas diretrizes e sem quaisquer garantias prévias.


Apesar das dificuldades, o exercício comparativo entre a minha posição e a dos investigadores estrangeiros ajudou a esclarecer as diferenças entre a distância que eu adotei e a distância inerente às suas posições. A minha abordagem visava um distanciamento que serviria para posicionar fenómenos intimamente ligados à minha vida, tais como a minha educação, como é claramente evidenciado. Entretanto, as minhas preocupações relativamente ao futuro do meu país empurraram-me para descrever os sistemas e práticas locais, tentando colocá-los num contexto mais amplo. O meu envolvimento em projetos estatais de desenvolvimento era, em si mesmo, dinâmico, ultrapassando o âmbito local e as abordagens coloniais e pós-coloniais, que não consideravam a orientação futura das ações dos marroquinos, ou da humanidade em geral. Os contornos dessa diferença entre mim e os meus colegas europeus surgem evidenciados nos meus textos daquela época, assim como em outros trabalhos que desenvolvi após essa experiência oasiana. Em todo o caso, e apesar de todas as dificuldades, envolvi-me intensamente nessa experiência durante quase quatro anos (entre 1967 e 1970).


Essa experiência convenceu-me também das limitações que a sociologia e a antropologia me impunham. Não apenas no que diz respeito aos mecanismos de pesquisa aplicados à área do desenvolvimento, mas também nos campos epistemológicos, metodológicos e no que concerne diretamente o avanço teórico da antropologia. Contudo, a sociologia e a antropologia constituíam as minhas principais áreas de interesse, e estava certo de que estas estariam ligadas ao meu futuro. Foi assim que decidi iniciar um programa de formação complementar em Paris, durante cerca de dois anos.


Mais tarde, ao assumir responsabilidades no ensino e na investigação, retomei uma experiência cujas caraterísticas começavam, pouco a pouco, a tornar-se evidentes. Uma dessas características envolvia a explicação da minha posição como antropólogo, não em sociedades que me eram distantes, como era comum para os antropólogos ocidentais, mas trabalhando questões fundamentais para a sociedade na qual fui criado e com a qual estive sempre comprometido. Fiel ao compromisso que herdei de Paul Pascon,[8] não aceitei confundir o que é político com o que é científico, exigindo, pelo contrário, uma clara distinção entre ambos através de uma estrita solidez metodológica. Em todo o caso, a necessidade de esclarecer o meu posicionamento tornava-se uma questão urgente. Estruturar os seus aspetos mais importantes apenas me foi possível através das experiências que vivi desde o início da minha carreira e no decurso de muitos anos de investigação.


Como disse, desde a publicação de La victime et ses masques (em 1988) que a problemática ligada ao desenvolvimento de trabalho antropológico na sociedade de pertença do próprio investigador se me colocou. Os leitores, naquela época, talvez não se tenham apercebido que o conceito de distância surgiu do reconhecimento das contradições com que eu então lidava: seria possível libertar-me metodologicamente de tradições ancestrais e das minhas próprias práticas quotidianas, de forma que estas se tornassem um ponto de partida e um tema pertinente nas áreas de investigação que me interessavam? A distância que eu buscava devia preservar a intimidade e a riqueza daquilo que vivemos e, ao mesmo tempo, permitir a sua organização em efetivas áreas analíticas, evitando transformá-las em conceitos abstratos que muitas vezes negam os seus reais significados. Quando trabalhadas através do conhecimento gerado pelo investigador e os seus interlocutores, essas tradições e práticas comuns tornam-se matéria suscetível de interação com conceitos observáveis, evitando, até certo ponto, os riscos de uma mera projeção teórica. Essa abordagem evoluiu durante as pesquisas que conduzi após a publicação daquele livro, afirmando-se como uma perspetiva epistemológica sobre a possibilidade de conhecimento que se encontra ligada organicamente à posição do investigador filiado a uma determinada comunidade. Contudo, isso ocorre sob a condição de que esta não se restrinja à esfera privada, mas visando, isso sim, a acumulação de conhecimento e teorizações associadas ao domínio público, em que também se incorporam trabalhos de outros colegas marroquinos, ou de outras regiões do mundo. Esta confrontação é em si mesma um reconhecimento da singularidade de todas as posições e da diversidade dos esforços cognitivos em direção a uma abordagem inclusiva, que não se restringe a um posicionamento único.


Este é um projeto que adota também o conceito de “esfera pública”, a que os investigadores devem tentar aceder, ainda que intimamente ligados à sua comunidade de pertença. Trata-se assim de um projeto que inclui homens e mulheres que localmente contribuíram para a formação de cada investigador, mas que hoje se interliga também a redes globais. Através desta perspetiva, a sua singularidade não é determinada – como mencionado anteriormente – senão, precisamente, através da sua filiação. Esta última torna-se a característica geral dos investigadores em todos os lugares. Este é um questionamento que destaca, na minha opinião, algumas das questões que há muito impedem a determinação da natureza da abordagem antropológica, cujo objeto é a comunidade à qual o antropólogo pertence, sem que se faça um diagnóstico epistemológico adequado para o seu posicionamento.


Os contornos da minha posição começaram a tornar-se cada vez mais claros após a realização de formação teórica e epistemológica complementares, e após retomar o meu trabalho de campo. À medida que a minha investigação avançava, a necessidade de pensar na problemática do investigador que estuda a sociedade à qual pertence tornou-se cada vez mais urgente; a proximidade entre o conhecimento e o compromisso, assim como a aplicação das metodologias da escola de Frankfurt no pensamento crítico, contribuíram para essa reflexão. Joseph Kapell abriu caminho para a leitura de várias outras obras, incluindo em particular os escritos de Mannheim, Horkheimer e Adorno.


Como antes mencionei, a importância que atribuí ao conceito de “distanciamento” surgiu da constatação da posição paradoxal em que me encontrava: como lidar com a minha adesão a tradições hereditárias e práticas quotidianas, libertando-me metodologicamente do seu controlo, e conseguir transformá-las em porta de entrada para a produção de conhecimento? Esse questionamento evoluiu à medida que a minha investigação avançava, procurando obter respostas que me permitissem formar uma perspetiva epistemológica e estabelecer um método direcionado para formas de conhecimento organicamente ligadas à filiação do investigador e às preocupações da sua comunidade.


Toda a investigação em ciências sociais, na realidade, sempre esteve organicamente ligada à filiação dos investigadores e às preocupações das sociedades a que pertencem. Essa ligação não é, em minha opinião, negada pela globalização. Ela ocorre porque os investigadores, assim como os grupos em análise, vivem em margens distintas da globalização. Basta passar algum tempo nos países do Magrebe para ter uma noção clara das preocupações dos seus habitantes, que são distintas das de outras pessoas, apesar da migração e dos fluxos globais. Os atuais projetos científicos já não pressupõem a existência de uma nação que ignora as suas partes constitutivas, mas sobretudo preocupações comuns no seio de uma mesma comunidade. É evidente que projetos deste tipo não podem agora limitar-se ao programa de uma “antropologia indígena”,[9] como proposto por alguns autores durante os anos 80 do século passado (muito embora tomando em consideração as comparações entre a posição do investigador estrangeiro e a do investigador local, como declarado pelos proponentes deste tipo de posicionamento). Outros textos, especialmente as análises propostas por investigadoras árabes sobre as suas posições enquanto observadoras nas suas próprias sociedades (cf. Altorki e Fawzi El-Solh 1988), contribuíram para o meu esboço de uma teorização sobre o tema da produção de conhecimento e da filiação.


Foi também importante fazer uma distinção entre os conceitos de “nativo” e de “antropólogo nativo” de forma a esclarecer o problema.[10] Contudo, essa diferenciação não contribui para a formação e acumulação de conhecimento. A filiação da mulher investigadora e a relação entre o género e a produção de conhecimento revelaram aspetos vitais e críticos que foram negligenciados durante muito tempo; também isso trouxe uma nova perspetiva para a relação com os interlocutores no terreno.


Por fim, gostaria ainda de salientar que o problema da filiação do investigador foi abordado por vários antropólogos, pensando sobretudo nas diferenças entre investigadores marroquinos e investigadores estrangeiros.[11] Através desse debate observo que, paradoxalmente, no que respeita aos investigadores marroquinos, a importância do seu papel na reconsideração epistemológica e metodológica do conhecimento antropológico (seja ele herdado do colonialismo ou de outras fontes) permaneceu ausente desta abordagem.


Globalmente, reconhecem-se vários esforços na reconsideração da natureza do conhecimento antropológico. Cito uma tentativa que se assemelha bastante ao que aqui procuro realizar, mas que lhe é ainda assim de alguma forma distinta, sendo portanto necessário expandir este tópico antes de avançar. A antropóloga britânica Marilyn Strathern (1987) fez um esforço significativo para evitar o problema da sobreposição entre culturas. Na sua opinião, devemos partir das tradições da própria antropologia (e não do âmbito “nativo”). Essas tradições consistem no seu acervo conceptual e nas problemáticas associadas a elas, que são bem conhecidas. Devendo-se parar neste ponto para compreender a natureza do conhecimento adquirido por meio desses métodos, bem como as efetivas possibilidades desse tipo de conhecimento, assim como as suas origens. Esta etapa permite tomar nota do conhecimento acumulado em torno do tema da antropologia, que, até recentemente, estava centrado em sociedades “diferentes”, ou seja, aquelas fora do escopo da sociedade (ocidental) do investigador. No entanto, este processo vai para além disso, atingindo os fundamentos dos conceitos e questões que geralmente estão no cerne da relação entre o conhecimento e a cultura ocidental, que é a cultura do investigador (euro-americano).


Nesse processo, o investigador é capaz de pesquisar as suposições subjacentes que representam a estrutura epistémica ocidental, estruturando as manifestações das sociedades não ocidentais na escrita antropológica. É nessa base que surgem as estruturas conceptuais históricas ocidentais que moldam as manifestações das sociedades “tradicionais” que a antropologia habitualmente tomava como objeto de estudo.


A eficácia dessa abordagem, segundo Strathern, reside no facto de esta clarificar duas tradições: aquela que liga o investigador à sua sociedade, e aquela ligada ao capital de conhecimento já disponível sobre a sociedade estudada. Isso resulta num tipo de intercâmbio entre as duas culturas, proporcionando a cada uma delas um meio para adquirir um tipo de conhecimento que as une, ao invés de recorrer a um “nativo” ilusório. Esta abordagem facilita, neste caso, o distanciamento da investigadora britânica face à sua própria cultura, transformando essa experiência em objeto de análise, ao mesmo tempo que estuda outras culturas. Trata-se aqui de reposicionar a sociedade ocidental, que sempre ocupou um papel central à escala global. Esta abordagem, que se inicia com o estudo de uma outra cultura, define, numa segunda fase, duas formas de conhecimento através das quais se concretiza a compreensão mútua destas duas entidades. Assim, o papel do investigador trata de mediar entre duas culturas e dois campos de conhecimento. Esta proposta é, em minha opinião, importante e inovadora, mas as suas lacunas evidenciam-se aquando da sua implementação prática.


Strathern tentou aplicar o seu programa num volumoso livro sobre as sociedades da Nova Guiné (cf. Strathern 1988: 18-19, 221, e 268-274). O trabalho baseou-se na sua experiência de trabalho de campo e na literatura existente, confrontando as problemáticas antropológicas com o tipo de conhecimentos acumulados pelas comunidades daquela região. Essa abordagem destacou o caráter limitado dos paradigmas europeus comparativamente com as conceções locais, permitindo identificar os modelos conceptuais que serviram a descrição dessas sociedades, ainda que estes não encontrem correspondência nas perceções que essas sociedades têm de si mesmas e da sua própria realidade.


Essa abordagem forneceu-nos resultados significativos no que diz respeito ao conhecimento das premissas europeias subjacentes à análise deste contexto, e, ao mesmo tempo, das fórmulas reconhecidas localmente pelos grupos da Nova Guiné. No entanto, na minha opinião, este é um processo teoricamente limitado. O trabalho de Marilyn Strathern permitiu seguramente explorar os componentes e as estruturas do discurso europeu, confrontando-os com o tipo de discursos existentes na Nova Guiné. Porém, existe um vasto acervo de conhecimento acumulado por investigadores europeus, sendo que os materiais produzidos localmente não parecem ir além das práticas descritas pela antropologia. Em ambos os casos, os paradigmas reconhecidos na Nova Guiné, assim como aqueles reconhecidos a autores europeus que trabalharam esta região, constituem na verdade o âmago das suas conclusões. Este projeto permanece assim vinculado a tradições científicas europeias que têm o hábito de diagnosticar outras culturas visando uma autocrítica, ou o elogio. Contudo, e ao contrário do que a antropologia britânica tem afirmado, a construção de conhecimento não está apenas ligada à história de determinadas problemáticas e à aplicação de alguns conceitos, mas também à filiação e às preocupações mais relevantes para a sociedade de pertença de cada investigador.


A minha experiência de longo prazo afirma um projeto que gradualmente se revelou diferente das tentativas que resumi acima (de forma muito concisa). A sua base desenvolveu-se lentamente, centrando-se numa relação complexa, mas frutífera, com a sociedade que estudo e à qual igualmente pertenço. Uma vez expostas as ambiguidades da minha pertença a uma determinada comunidade, esse processo deve isentar-me de assumir que essa comunidade (“nativa”) se encontre separada de outras. A minha filiação caracteriza-se, antes de tudo, pelo envolvimento efetivo em preocupações que diferem das de outros grupos, apesar da atual integração em redes globalizadas. Nesse sentido, imagino que todos nós, em todos os lugares, muito embora envolvidos em dinâmicas globais, ocupamos diferentes posições nesse enquadramento. Aos que duvidam disso, bastará visitar uma cidade marroquina, seguida da visita a uma cidade francesa da mesma escala. O visitante encontrará similitudes entre alguns fenómenos decorrentes dos fluxos globalizados, mas rapidamente constatará também diferenças nas vidas dos jovens de ambas as cidades. Esse visitante verá, por exemplo, que alguns jovens marroquinos vivem no mundo virtual, mas as suas vidas não atendem às suas aspirações reais, sonhando permanentemente com a possibilidade de emigrarem. Quanto aos jovens da cidade francesa, eles vivem entre o virtual e o real. Podem até pensar em emigrar, mas não na mesma direção e da mesma maneira que os jovens marroquinos. O visitante descobrirá que os jovens marroquinos são simultaneamente emigrantes virtuais e prisioneiros do real. E isso muda tudo (Hammoudi 2017). Trata-se de uma ligação verdadeiramente orgânica, que se manifesta em primeiro lugar, e acima de tudo, através da situação presente, de preocupações e problemáticas complexas, e não através da separação entre áreas geográficas.


Tentei esclarecer as características deste projeto, ligando-me com as formas de antropologia atualmente existentes, assim como com a antropologia clássica e colonial. Esforcei-me, em particular, por abordar esta última, analisando o seu valor epistémico e procurando rastrear toda a sua complexidade. Associei este exercício diretamente à experiência de trabalho de campo, saindo das normas convencionadas e comprometendo-me com esta metodologia enquanto mecanismo essencial para construir a (necessária) distância. Concluí que a distância que adotei é semelhante àquela adotada pelo investigador estrangeiro. No entanto, “semelhante” não quer dizer “igual”, ou “imitação”. É semelhante apenas no sentido de que essa distância se manifesta num sentido geral, diferindo daquela que o investigador europeu tenta construir ao estudar sociedades não europeias, ao impor um posicionamento que procura reduzir a distância entre campos e relações. Em contrapartida, a distância que tentei construir resulta de um esforço de afastamento, ainda que mantendo a proximidade.


O meu projeto define-se como uma experiência enquadrada no contexto atual, que assistirá à emergência de antropologias “nacionais”, como alguns colegas europeus já apontaram. Isso não é surpreendente, se considerarmos que as tradições científicas antropológicas em línguas europeias são também tradições nacionais. Ao dar passos em direção a essas antropologias nacionais, concebo-as através de algumas considerações fundamentais que devo mencionar. Em primeiro lugar, procuro estabelecer a língua árabe através de tudo daquilo que define a sua escrita e a sua criatividade conceptual – na condição de não nos encontrarmos limitados a esse território linguístico. Devemos estar preparados para a necessidade de entrar num espaço público mais abrangente do que o espaço linguístico árabe, interagindo de forma sustentada com fórmulas de conhecimento e com metodologias diversificadas e globais. Uma segunda consideração assenta no regresso ao vasto conhecimento científico acumulado em língua árabe durante séculos. Esse processo deve incorporar conceitos e abordagens desse acervo, num diálogo com tradições ocidentais e não ocidentais num contexto global.

Abdellah Hammoudi (Professor of Anthropology, Emeritus, Princeton University)


Temara, 4 de outubro de 2018.




Abdellah Hammoudi was Professor at the Mohammed V University in Rabat, Morocco, and the first holder of the Faisal Visiting Professorship at Princeton. He was the founding director of the Institute for the Transregional Study of the Contemporary Middle East, North Africa, and Central Asia. Professor Hammoudi has done extensive work on the ethno-history of his native Morocco, fieldwork in Morocco, Libya and Saudi Arabia, as well as participated in major development projects in these three countries. His most recent book, Une saison à la Mecque, published by Le Seuil, Paris, in 2004, was translated into English: A Season in Mecca, Hill and Wang, 2006, as well as in several other languages including Arabic, Dutch, Italian and German. Two other books published in French were translated into English: The Victim and Its Masks, Essay on Sacrifice and Masquerade in Maghreb (1993), and Master and Disciple, The Cultural Foundations of Moroccan Authoritarianism in Comparative Perspectives(1997), both published by University of Chicago Press. More recently, he edited Democratizing the South Shore, Between Persuasion and Invasion, in French, CNRS, 2007. His publications include books on agrarian policy and the relation of tribal organization to religion. He has also participated in the production of several films for television based on his ethnographic work. He teaches courses on Islamic movements, Middle East society, colonialism, French ethnographic theory, and political anthropology.





Fac-simile de A distância e a Análise: Para a Formulação de Uma Antropologia Árabe (Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca: Éditions Toubkal)




página 1


página 2

página 3


página 4


página 5


página 6


página 7

página 8


página 9

página 10


página 11


página 12


página 13


página 14


página 15
página 16


BIBLIOGRAFIA

ALTORKI, Soraya, e Camila FAWZI EL-SOLH (orgs.), 1988, Arab Women in the Field: Studying Your Own Society. Syracuse: Syracuse University Press.
FAHIM, Hussein (org.), 1982, Indigenous Anthropology in Non-Western Countries. Durham: Carolina Academic Press.
HAMMOUDI, Abdellah, 1970, “L’évolution de l’habitat dans la vallée du Dra”, Revue de Géographie Marocaine, 18: 33-45.
HAMMOUDI, Abdellah, 1974, “Segmentarité, stratification sociale, pouvoir politique et sainteté: Réflexions sur les thèses de Gellner”, Hespéris-Tamuda, 15: 147-179.
HAMMOUDI, Abdellah, 1980, “Sainteté, pouvoir et société: Tamgrout aux XVIIe et XVIIIe siècles”, Annales E.S.C, 35 (3-4): 615-641.
HAMMOUDI, Abdellah, 1981, “Aspects de la mobilisation à la campagne, vus à travers la biographie d’un mahdi mort en 1919”, in E. Gellner e J.-C. Vatin (orgs.), Islam et politique au Maghreb. Paris: CNRS, 47-68.
HAMMOUDI, Abdellah, 1985, “Substance and relation: water rights and water distribution in the Draa Valley”, in A. E. Mayer (org.), Property, Social Structure and Law in the Modern Middle East. Nova Iorque: State University of New York Press, 27-57.
HAMMOUDI, Abdellah, 1988, La victime et ses masques: essai sur le sacrifice et la mascarade au Maghreb. Paris: Seuil.
HAMMOUDI, Abdellah, 2017, “A new axial age? Opening and disarrays”. Disponível em < https://globalejournal.org/global-e/may-2017/new-axial-age-opening-and-disarray > (última consulta em fevereiro de 2024).
NARAYANE, Kirin, 1993, “How native is a native anthropologist?”, American Anthropologist, 95: 671-686.
SKOUNTI, Ahmed, 2004, “L’anthropologue chez-soi: réflexions sur la pratique anthropologique au Maroc”, Cahiers de Recherche du Centre Jacques Berque, (Rabat), 1: 9-18.
STRATHERN, Marilyn, 1987, “The limits of auto-anthropology”, in Anthony Jackson (org.), Anthropology at Home, Londres: ASA monographs 25, 59-67.
STRATHERN, Marilyn, 1988, The Gender of the Gift. Berkeley, CA: University of California Press.

[1] Nota do editor: a versão original deste texto, em língua árabe, foi publicada como introdução ao livro de Abdallah Hammoudi, Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya / A Distância e a Análise: Para a Formulação de Uma Antropologia Árabe (Casablanca: Éditions Toubkal, 2018).
[2] Nota do editor: aproximando-se hoje dos 400 milhões de falantes.
[3] Nota do editor: Al-nahḍa, movimento que, entre o final do século XIX e início do século XX, procurou revitalizar a produção cultural e intelectual em língua árabe a partir do Médio Oriente (Egito, Síria e Líbano, em particular).
[4] Nota do editor: língua árabe coloquial marroquina.
[5] Com o encorajamento dos saudosos professores Paul Pascon e Germain Ayache. A discussão com o primeiro foi sempre útil e proveitosa, muito embora ele valorizasse sobretudo a pesquisa sociológica, sem demonstrar grande interesse por metodologias e teorias antropológicas. Quanto a Germain Ayache, nos encontros que tive em sua casa, discutimos sobretudo as técnicas da crítica histórica e o uso dos arquivos.
[6] Ver também Hammoudi (1970, 1974, 1980, 1981, 1985, 1988).
[7] Nota do editor: protetorado francês em Marrocos, 1912-1956.
[8] Nota editor: sociólogo marroquino (1932-1985).
[9] Sobre “antropologia indígena”, ver Fahim (1982).
[10] Sobre “nativo” e “antropólogo nativo”, ver Narayane (1993).
[11] Nomeadamente Skounti (2004).

< Voltar

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Revista

Sobre

Equipa Editorial

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Equipa Editorial

Artigos

Secções

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica