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12.03.2024
Antropologia em língua árabe: para lá do monopólio discursivo
Abdellah Hammoudi
Tradução de Ilham Houass e Diane Abd-El-Karim
Revisto por Francisco Freire e Abdallah Hammoudi
Alguns leitores podem com razão interrogar-se quanto ao efetivo significado da expressão “antropologia em língua árabe”, uma vez que esta, ainda que cuidadosamente escolhida por mim, comporta diferentes significados, alguns deles contraditórios.[1]
“Antropologia em língua árabe” refere-se à antropologia escrita em árabe, a língua utilizada pela maioria dos habitantes do meu país – Marrocos –, e em inúmeros outros países magrebinos e árabes. Não é minha intenção excluir deste projeto outras línguas igualmente usadas na região (como o amazigue, o núbio ou o curdo), nem tão-pouco podemos excluir o francês e o inglês (assim como o espanhol e o português, no caso particular de Marrocos), pela sua importância na pesquisa científica, bem como pela sua atual prevalência em áreas cruciais (como a tecnológica, entre outras) de que não podemos hoje prescindir.
A minha utilização do termo “árabe” não se refere ao nacionalismo, ao patriotismo no seu sentido estrito, nem certamente ao chauvinismo. A língua árabe representa para mim aquele “enorme país”, que podemos aproximar também à expressão “mundo muçulmano”, onde espero que a antropologia crie raízes e se desenvolva. Foi apenas neste sentido que delineei este projeto, num processo que procura superar a mera imitação, que tem sido prática comum nas ciências sociais árabes desde há décadas.
Importa ainda assinalar o lugar de destaque que o árabe hoje ocupa entre as línguas do mundo,[2] sendo utilizado por árabes e por não árabes (amazigues, núbios, curdos, iranianos, paquistaneses, turcos, indianos), sem esquecer o seu papel fundamental nas esferas eminentemente religiosas. Sabemos também que é essa a língua usada por comunidades árabes cristãs, que historicamente lhe prestaram notáveis serviços, usando-a, por exemplo, durante o “renascimento árabe”.[3] Este contexto não evidencia apenas o reflexo (relativamente) modesto de um período histórico, devendo, isso sim, materializar o árabe como uma língua global, usada por árabes e por não árabes, e por populações etnicamente distintas. Sabemos que a história não se repete, mas creio que hoje é uma vez mais possível produzir conhecimento de excelente nível em árabe.
Assim, o objetivo principal deste texto é criar as bases para a produção de um outro discurso que ultrapasse a simples imitação/repetição e a situação de dependência cognitiva onde parecemos encontrar-nos. Essas bases estabelecem-se através de um processo de reestruturação da antropologia, delineando os contornos de uma mediação entre discursos herdados da antropologia clássica e colonial, e as posições e aspirações dos investigadores árabes em relação à reestruturação deste campo e à utilização do legado que lhes foi transmitido, após compreendê-lo em toda a sua complexidade. Esta abordagem difere da crítica à antropologia, tal como desenvolvida por uma corrente influente, especialmente nos Estados Unidos, que chega ao ponto de sugerir o abandono definitivo da antropologia, como defendido por Edward Said e seus seguidores.
Embora respeitando o trabalho do fundador desse movimento, e reconhecendo o serviço por ele prestado ao minar os pressupostos coloniais do discurso orientalista e de outros discursos ocidentais que foram e que continuam a ser dominantes, o objetivo do meu projeto é produzir uma alternativa a este tipo de conhecimento. Este deve ser gerado por investigadores magrebinos e do mundo árabe, com base nas aspirações das suas populações e centrado nas questões que as pessoas colocam diariamente a si mesmas nestas sociedades. A crítica aos discursos ocidentais, enquanto discursos dominantes, desempenha um papel vital nesse processo. Mas isso não pode, no entanto, substituir a necessidade de encontrar alternativas que visem a produção de um outro tipo de conhecimento que vá ao encontro das reais preocupações das populações desta região. Este projeto não pode tão-pouco negligenciar a globalização, ou os fenómenos pós-coloniais. No entanto, este novo tipo de conhecimento deve surgir das inquietações presentes na margem em que habitamos (ao sul do Mediterrâneo), nas margens da globalização. Quem vive nessa margem, marroquinos e outros na nossa região, apercebe-se das diferenças marcantes em relação à margem norte. As repercussões dos diversos fluxos associados à globalização são claramente sentidas na vida quotidiana das pessoas.
Já enfrentei a questão da pertença/filiação em toda a sua complexidade. O seu aspeto mais decisivo consiste na situação em que o investigador se relaciona com a sua própria “sociedade”: se por um lado procura distanciar-se, na realidade continua a encontrar-se intimamente comprometido com esta. Essa situação complexa, conforme a experienciei, pode ser ao mesmo tempo fecunda. Na verdade, creio que esta deve ser considerada como uma posição metodológica válida, entendida junto de outras situações possíveis, devendo ser explorada e discutida de maneira construtiva e objetiva.
Uma suposição subjacente ao meu posicionamento declara que a antropologia – e as ciências sociais em geral – deve tornar-se um terreno de discussão e polémica entre diferentes abordagens metodológicas. Isso implica que imaginemos que os sistemas de investigação e de ensino se distingam entre diferentes tradições nacionais, no sentido linguístico que antes lhe atribuí. Sou assim favorável a uma dinâmica de debate e interação entre diferentes experiências.
É também evidente que a formulação da antropologia neste contexto exige um programa que envolva várias disciplinas, onde devemos incluir a evolução humana, a pré-história, o estudo do passado, a exploração da literatura de viagens e do seu vasto acervo em língua árabe (também identificado noutras tradições linguísticas), ou o campo da genealogia, entre outros. Além disso, não podemos deixar de estudar as línguas, incluindo o amazigue, o hebraico, o darija,[4] e outras, especialmente africanas (dada a sua integração com o árabe e o amazigue, é evidente que as línguas e culturas africanas devem ter aqui um lugar privilegiado).
Estes são alguns exemplos que nos podem guiar, conscientes de que a natureza da pesquisa e do pensamento, assim como as tradições científicas herdadas e a trajetória histórica, exigem programas próprios para a investigação e ensino. Ao invés de continuarmos a imitar referências europeias e norte-americanas, parece-me importante valorizar a fertilização cruzada que, creio, apoiará a constituição de disciplinas que um dia se tornarão pioneiras, utilizadas quer por estudantes da região, quer de outras áreas geográficas, incluindo da Europa e da América. É esse o significado desejado e tangível da “competição” que proponho, que supõe a definição de uma nova visão do mundo e o declínio dos laços de dependência e dominação.
Estou consciente da existência de outros projetos que também propõem saídas à dependência cognitiva em que nos encontramos. Destaco, em particular, aquelas que nos apresentam a ideia de uma “sociologia islâmica”. Entre os pioneiros desse movimento, há quem tenha estabelecido programas para as ciências sociais alinhados com capítulos das ciências do Alcorão e da Sharia. Alguns pensadores de língua árabe, tais como Ibn Khaldoun, tornaram-se talismãs desse tipo de projeto; a sua simples alusão deveria trazer algo semelhante a um milagre a estas áreas de conhecimento. Outros autores pensaram combinar ideias bem conhecidas de Ibn Khaldun, com o que eles próprios pensam ser a “antropologia simbólica”. Avançaram ideias inconsistentes para uma nova teoria simbólica que se conjugava com tradições religiosas, e que serviriam, por exemplo, para uma explicação da criação e desenvolvimento humano. Na realidade, as gritantes inconsistências desta proposta falsificam toda a teorização existente em torno da antropologia simbólica. Uma outra corrente vem há décadas insistindo na necessidade de reformular as ciências sociais. Fá-lo de maneira pouco clara e sem benefícios tangíveis para a produção de conhecimento antropológico. Uma vez mais retomam autores como Ibn Khaldun, associado aqui a uma leitura pobre da teoria marxista e do nacionalismo árabe, como alternativas ao monopólio discursivo europeu. As contribuições deste movimento não excederam a produção de alguns livros – importantes – sobre Ibn Khaldoun e uma enorme quantidade de textos sobre o mesmo assunto que na maior parte dos casos apenas se repetem.
O projeto que aqui apresento procura ultrapassar os obstáculos que impedem a construção de uma antropologia em língua árabe, evitando as prévias tentativas ilusórias, baseadas em slogans e sem qualquer efetiva aplicação prática. Penso numa antropologia que deve contribuir para a formação de conhecimento por parte de académicos que escrevem em árabe, mas que atualmente publicam sobretudo numa língua estrangeira global, o inglês. O meu objetivo é competir globalmente com essa língua, acreditando nas capacidades dos homens e mulheres da nossa região.
Gostaria de concluir com uma observação sobre o uso da língua nativa e o uso de outras línguas. Uma das formas de criar distanciamento, num quadro de proximidade entre o investigador e o contexto em que trabalha, passa pela aprendizagem de línguas que não aquela que o investigador considera ser a sua língua de escrita, neste caso, o árabe. Parece-me vantajoso aprender uma língua estrangeira global de forma a aceder a territórios mais amplos. Mais benéfica ainda será a aprendizagem de uma terceira língua, ou várias outras, se possível. Aprender uma língua é entrar num novo mundo, permitindo, aquando do regresso do investigador ao seu universo de origem, uma visão renovada e diversificada. Navegar linguisticamente entre diferentes territórios contribui para a construção de uma distância em relação àquilo que nos é habitual e ao que nos está mais próximo. A prática da tradução como exercício contínuo é também, em minha opinião, uma das abordagens que a antropologia deve ter. Com a aprendizagem de outras línguas, conhecem-se também os seus mundos e culturas, diferentes da cultura do investigador. Conhecer algumas delas de perto é fundamental para a abordagem que proponho.
Escrever em inglês, ou francês, sobre sociedades do Magrebe ou do mundo árabe tem conotações e implicações que diferem da escrita sobre estes mesmos tópicos em árabe. Não insinuo aqui qualquer defeito ou falha, como alguns podem defender, a quem escreve em francês, inglês ou espanhol. Não! Eu defendo a diversidade linguística e o enriquecimento das fontes que nos estão disponíveis. No entanto, tenho a certeza de que o significado da globalização/dominação no nosso tempo é também, na verdade, a globalização de uma única língua: o inglês. Ou seja, uma globalização da dominação, se assim o podemos dizer. Este é um facto inegável, um processo histórico que nos ultrapassa e que está para lá da vontade dos próprios autores anglófonos. Devemos contudo ser prudentes, de modo a evitar cair em qualquer tipo de nativismo. Considere-se, por exemplo, o caso da Índia, onde o inglês coabita com o bengali, o hindi e tantas outras línguas; tal como se passa na Nigéria, ou no Gana, entre tantos outros países.
Embora, como disse, este fenómeno ultrapasse os investigadores falantes de inglês e aqueles que escrevem nessa língua – que não são responsáveis pela situação de dependência em que nos encontramos –, estes podem, ainda assim, contribuir para a manutenção do inglês como língua de dominação. Isto é particularmente problemático quando revisitamos, por exemplo, as críticas pós-coloniais e antropológicas que questionaram a antropologia clássica, entre outras. A sugestão de abandonar completamente a antropologia alastrou a diferentes contextos académicos, incluindo ao Magrebe e ao mundo árabe; questionar essa sugestão parece-me imperioso.
Esta questão coloca-se porque esse tipo de posicionamento surgiu precisamente em inglês, disseminando-se nessa língua dominante. Como antes referi, não pretendo destacar qualquer falha no facto de se escrever em inglês. O que me parece surpreendente é a falta de questionamento crítico por parte de quem escreve nessa língua, apesar de muitos dos autores que o fazem serem respeitados precisamente por criticarem a hegemonia ocidental, ou o colonialismo. Estes fenómenos extraordinários estão à vista de todos, ainda que muitos não os entendam. O uso do inglês parece incluir esses ângulos mortos, cujos pressupostos, aceites por muitos autores, impedem uma leitura crítica das razões subjacentes ao uso dessa língua.
O projeto de uma antropologia em língua árabe assume assim um vaivém entre línguas, não negando outras escritas, sejam elas o inglês ou outras. Este projeto pode adotar contribuições da crítica pós-colonial para lidar com as representações do “outro” e refletir sobre a hegemonia associada a vários discursos ocidentais. No entanto deve, ao mesmo tempo, tentar produzir discursos e conhecimentos alternativos que esclareçam a realidade das sociedades árabes.
Há quase 40 anos que publico em revistas árabes e francesas sobre problemáticas relacionadas com o destino da antropologia em Marrocos, no Magrebe e no mundo árabe de uma maneira geral. É evidente que os meus interesses se encontram também marcados pela comparação com a situação na Europa e nos Estados Unidos da América, em particular. A minha formação académica fez-se em filosofia e sociologia, iniciando a minha carreira de investigação com uma pesquisa na área do desenvolvimento rural nos oásis de Ouarzazate e vale do Draa em Marrocos (no final dos anos 60 do século passado). Aí, os limites das abordagens sociológicas clássicas tornaram-se rapidamente evidentes para mim. Ao mesmo tempo, destacava-se a importância da investigação histórica e a aproximação a uma abordagem etnográfica e antropológica na análise das estruturas sociais e culturais. O meu conhecimento dos métodos da história e da etnografia era modesto, mas o contexto de investigação obrigou-me a aprofundá-lo face às circunstâncias desafiadoras que então rodeavam as minhas pesquisas.[5]
Na introdução do meu livro La victime et ses masques (1988),[6] declarei que as análises que procurava desenvolver resultavam da minha identidade cultural marroquina. Esta posição difere da do antropólogo estrangeiro, uma vez que eu tinha de construir uma distância entre mim e a sociedade à qual pertenço, tentando pensá-la como objeto de investigação. Esse processo dialético, cujos contornos começaram a tornar-se claros no final dos anos 1980, encontrava-se já presente desde a minha primeira experiência de terreno.
O vale do Draa é arabofone e berberofone, e aí, enquanto investigador marroquino, senti-me sempre de alguma maneira “estrangeiro”, e ao mesmo tempo como fazendo parte daquela região. “Estrangeiro” devido às perguntas que fazia e que as pessoas entendiam ser de resposta demasiado óbvia; parte integrante daquele contexto devido ao meu envolvimento num importante projeto de desenvolvimento executado pelo Estado marroquino. Excluindo a particularidade de eu questionar o que era entendido como óbvio, as trocas com os meus interlocutores ocorriam naturalmente em áreas como a produção agrícola e artesanal, atividades comerciais, ou o relacionamento destes atores com a administração central. No entanto, em outras áreas, sentia-me até certo ponto “estrangeiro”, ainda que a minha posição não fosse a de um antropólogo europeu. Por fim, havia uma preocupação com o meu posicionamento político, com as minhas ações e com o trabalho que desenvolvia. Este aspeto abria-me muitas portas, mas também fechava outras. As relações mantidas com os meus interlocutores eram determinadas por estes equilíbrios. Tornou-se evidente que reunir informações ou inquirir sobre sistemas sociais e as suas regras resultava em fracasso sempre que as pessoas respondiam com silêncio ou com manobras dilatórias. O que acontecia com bastante frequência!
Decidi apostar no tempo e num esforço especial para estabelecer relacionamentos pessoais sólidos. Optei por trabalhar sobre questões económicas e da área do desenvolvimento junto de uma elite de intelectuais interessados na história da sua região, bem como sobre a documentação escrita que preservavam, maioritariamente em árabe. No entanto, a conclusão fundamental que emergiu dessa experiência foi a de alguém que faz parte e que ao mesmo tempo não pertence àquele contexto. Uma posição que, para além de ser aceite e incorporada, necessitava de uma fórmula adequada que me permitisse superar os seus aspetos mais negativos.
Entre o conhecimento já acumulado sobre esta região, havia aquele obtido por investigadores estrangeiros que me precederam, especialmente o conhecimento etnográfico e antropológico produzido em francês. A importância dessas informações complexificou o meu posicionamento, mas acabou também por baseá-lo. O que mais me surpreendeu nesse acervo foi o facto de este se encontrar repleto de observações que a minha experiência de campo confirmava. Encontrei, por exemplo, tratados entre tribos, escritos em árabe, remontando ao período pré-protetorado,[7] que foram posteriormente adotados pela administração colonial e mantidos após a independência. O mesmo ocorria em múltiplas outras questões, como a partilha da água, ou a divisão de territórios de pastagem entre tribos, clãs ou grupos de pastores. O dilema tornou-se evidente: se muitos apregoavam a rejeição desse tipo de conhecimento em nome da descolonização, a minha experiência no terreno apontava em sentido contrário. Essa experiência mostrava, de forma muito concreta, que abrir mão da herança colonial seria um erro. Contudo, reconstruir essa herança através de um novo sistema que desafiasse as suas suposições metodológicas e políticas parecia uma tarefa difícil, dada a inexistência de uma abordagem adequada que me permitisse alcançar esse objetivo.
Não obstante essas dificuldades, naquele momento parecia-me cada vez mais importante investir na reconstrução do legado colonial, em vez de abandoná-lo. Esta opção parecia-me não só necessária como vital. Decidi aprofundar essa posição saindo do meu contexto de filiação, por um lado, e, por outro, procurando abranger a integralidade da herança colonial, na esperança de construir bases epistémicas e metodológicas para uma nova formulação da produção de conhecimento, sem certezas quanto às suas diretrizes e sem quaisquer garantias prévias.
Apesar das dificuldades, o exercício comparativo entre a minha posição e a dos investigadores estrangeiros ajudou a esclarecer as diferenças entre a distância que eu adotei e a distância inerente às suas posições. A minha abordagem visava um distanciamento que serviria para posicionar fenómenos intimamente ligados à minha vida, tais como a minha educação, como é claramente evidenciado. Entretanto, as minhas preocupações relativamente ao futuro do meu país empurraram-me para descrever os sistemas e práticas locais, tentando colocá-los num contexto mais amplo. O meu envolvimento em projetos estatais de desenvolvimento era, em si mesmo, dinâmico, ultrapassando o âmbito local e as abordagens coloniais e pós-coloniais, que não consideravam a orientação futura das ações dos marroquinos, ou da humanidade em geral. Os contornos dessa diferença entre mim e os meus colegas europeus surgem evidenciados nos meus textos daquela época, assim como em outros trabalhos que desenvolvi após essa experiência oasiana. Em todo o caso, e apesar de todas as dificuldades, envolvi-me intensamente nessa experiência durante quase quatro anos (entre 1967 e 1970).
Essa experiência convenceu-me também das limitações que a sociologia e a antropologia me impunham. Não apenas no que diz respeito aos mecanismos de pesquisa aplicados à área do desenvolvimento, mas também nos campos epistemológicos, metodológicos e no que concerne diretamente o avanço teórico da antropologia. Contudo, a sociologia e a antropologia constituíam as minhas principais áreas de interesse, e estava certo de que estas estariam ligadas ao meu futuro. Foi assim que decidi iniciar um programa de formação complementar em Paris, durante cerca de dois anos.
Mais tarde, ao assumir responsabilidades no ensino e na investigação, retomei uma experiência cujas caraterísticas começavam, pouco a pouco, a tornar-se evidentes. Uma dessas características envolvia a explicação da minha posição como antropólogo, não em sociedades que me eram distantes, como era comum para os antropólogos ocidentais, mas trabalhando questões fundamentais para a sociedade na qual fui criado e com a qual estive sempre comprometido. Fiel ao compromisso que herdei de Paul Pascon,[8] não aceitei confundir o que é político com o que é científico, exigindo, pelo contrário, uma clara distinção entre ambos através de uma estrita solidez metodológica. Em todo o caso, a necessidade de esclarecer o meu posicionamento tornava-se uma questão urgente. Estruturar os seus aspetos mais importantes apenas me foi possível através das experiências que vivi desde o início da minha carreira e no decurso de muitos anos de investigação.
Como disse, desde a publicação de La victime et ses masques (em 1988) que a problemática ligada ao desenvolvimento de trabalho antropológico na sociedade de pertença do próprio investigador se me colocou. Os leitores, naquela época, talvez não se tenham apercebido que o conceito de distância surgiu do reconhecimento das contradições com que eu então lidava: seria possível libertar-me metodologicamente de tradições ancestrais e das minhas próprias práticas quotidianas, de forma que estas se tornassem um ponto de partida e um tema pertinente nas áreas de investigação que me interessavam? A distância que eu buscava devia preservar a intimidade e a riqueza daquilo que vivemos e, ao mesmo tempo, permitir a sua organização em efetivas áreas analíticas, evitando transformá-las em conceitos abstratos que muitas vezes negam os seus reais significados. Quando trabalhadas através do conhecimento gerado pelo investigador e os seus interlocutores, essas tradições e práticas comuns tornam-se matéria suscetível de interação com conceitos observáveis, evitando, até certo ponto, os riscos de uma mera projeção teórica. Essa abordagem evoluiu durante as pesquisas que conduzi após a publicação daquele livro, afirmando-se como uma perspetiva epistemológica sobre a possibilidade de conhecimento que se encontra ligada organicamente à posição do investigador filiado a uma determinada comunidade. Contudo, isso ocorre sob a condição de que esta não se restrinja à esfera privada, mas visando, isso sim, a acumulação de conhecimento e teorizações associadas ao domínio público, em que também se incorporam trabalhos de outros colegas marroquinos, ou de outras regiões do mundo. Esta confrontação é em si mesma um reconhecimento da singularidade de todas as posições e da diversidade dos esforços cognitivos em direção a uma abordagem inclusiva, que não se restringe a um posicionamento único.
Este é um projeto que adota também o conceito de “esfera pública”, a que os investigadores devem tentar aceder, ainda que intimamente ligados à sua comunidade de pertença. Trata-se assim de um projeto que inclui homens e mulheres que localmente contribuíram para a formação de cada investigador, mas que hoje se interliga também a redes globais. Através desta perspetiva, a sua singularidade não é determinada – como mencionado anteriormente – senão, precisamente, através da sua filiação. Esta última torna-se a característica geral dos investigadores em todos os lugares. Este é um questionamento que destaca, na minha opinião, algumas das questões que há muito impedem a determinação da natureza da abordagem antropológica, cujo objeto é a comunidade à qual o antropólogo pertence, sem que se faça um diagnóstico epistemológico adequado para o seu posicionamento.
Os contornos da minha posição começaram a tornar-se cada vez mais claros após a realização de formação teórica e epistemológica complementares, e após retomar o meu trabalho de campo. À medida que a minha investigação avançava, a necessidade de pensar na problemática do investigador que estuda a sociedade à qual pertence tornou-se cada vez mais urgente; a proximidade entre o conhecimento e o compromisso, assim como a aplicação das metodologias da escola de Frankfurt no pensamento crítico, contribuíram para essa reflexão. Joseph Kapell abriu caminho para a leitura de várias outras obras, incluindo em particular os escritos de Mannheim, Horkheimer e Adorno.
Como antes mencionei, a importância que atribuí ao conceito de “distanciamento” surgiu da constatação da posição paradoxal em que me encontrava: como lidar com a minha adesão a tradições hereditárias e práticas quotidianas, libertando-me metodologicamente do seu controlo, e conseguir transformá-las em porta de entrada para a produção de conhecimento? Esse questionamento evoluiu à medida que a minha investigação avançava, procurando obter respostas que me permitissem formar uma perspetiva epistemológica e estabelecer um método direcionado para formas de conhecimento organicamente ligadas à filiação do investigador e às preocupações da sua comunidade.
Toda a investigação em ciências sociais, na realidade, sempre esteve organicamente ligada à filiação dos investigadores e às preocupações das sociedades a que pertencem. Essa ligação não é, em minha opinião, negada pela globalização. Ela ocorre porque os investigadores, assim como os grupos em análise, vivem em margens distintas da globalização. Basta passar algum tempo nos países do Magrebe para ter uma noção clara das preocupações dos seus habitantes, que são distintas das de outras pessoas, apesar da migração e dos fluxos globais. Os atuais projetos científicos já não pressupõem a existência de uma nação que ignora as suas partes constitutivas, mas sobretudo preocupações comuns no seio de uma mesma comunidade. É evidente que projetos deste tipo não podem agora limitar-se ao programa de uma “antropologia indígena”,[9] como proposto por alguns autores durante os anos 80 do século passado (muito embora tomando em consideração as comparações entre a posição do investigador estrangeiro e a do investigador local, como declarado pelos proponentes deste tipo de posicionamento). Outros textos, especialmente as análises propostas por investigadoras árabes sobre as suas posições enquanto observadoras nas suas próprias sociedades (cf. Altorki e Fawzi El-Solh 1988), contribuíram para o meu esboço de uma teorização sobre o tema da produção de conhecimento e da filiação.
Foi também importante fazer uma distinção entre os conceitos de “nativo” e de “antropólogo nativo” de forma a esclarecer o problema.[10] Contudo, essa diferenciação não contribui para a formação e acumulação de conhecimento. A filiação da mulher investigadora e a relação entre o género e a produção de conhecimento revelaram aspetos vitais e críticos que foram negligenciados durante muito tempo; também isso trouxe uma nova perspetiva para a relação com os interlocutores no terreno.
Por fim, gostaria ainda de salientar que o problema da filiação do investigador foi abordado por vários antropólogos, pensando sobretudo nas diferenças entre investigadores marroquinos e investigadores estrangeiros.[11] Através desse debate observo que, paradoxalmente, no que respeita aos investigadores marroquinos, a importância do seu papel na reconsideração epistemológica e metodológica do conhecimento antropológico (seja ele herdado do colonialismo ou de outras fontes) permaneceu ausente desta abordagem.
Globalmente, reconhecem-se vários esforços na reconsideração da natureza do conhecimento antropológico. Cito uma tentativa que se assemelha bastante ao que aqui procuro realizar, mas que lhe é ainda assim de alguma forma distinta, sendo portanto necessário expandir este tópico antes de avançar. A antropóloga britânica Marilyn Strathern (1987) fez um esforço significativo para evitar o problema da sobreposição entre culturas. Na sua opinião, devemos partir das tradições da própria antropologia (e não do âmbito “nativo”). Essas tradições consistem no seu acervo conceptual e nas problemáticas associadas a elas, que são bem conhecidas. Devendo-se parar neste ponto para compreender a natureza do conhecimento adquirido por meio desses métodos, bem como as efetivas possibilidades desse tipo de conhecimento, assim como as suas origens. Esta etapa permite tomar nota do conhecimento acumulado em torno do tema da antropologia, que, até recentemente, estava centrado em sociedades “diferentes”, ou seja, aquelas fora do escopo da sociedade (ocidental) do investigador. No entanto, este processo vai para além disso, atingindo os fundamentos dos conceitos e questões que geralmente estão no cerne da relação entre o conhecimento e a cultura ocidental, que é a cultura do investigador (euro-americano).
Nesse processo, o investigador é capaz de pesquisar as suposições subjacentes que representam a estrutura epistémica ocidental, estruturando as manifestações das sociedades não ocidentais na escrita antropológica. É nessa base que surgem as estruturas conceptuais históricas ocidentais que moldam as manifestações das sociedades “tradicionais” que a antropologia habitualmente tomava como objeto de estudo.
A eficácia dessa abordagem, segundo Strathern, reside no facto de esta clarificar duas tradições: aquela que liga o investigador à sua sociedade, e aquela ligada ao capital de conhecimento já disponível sobre a sociedade estudada. Isso resulta num tipo de intercâmbio entre as duas culturas, proporcionando a cada uma delas um meio para adquirir um tipo de conhecimento que as une, ao invés de recorrer a um “nativo” ilusório. Esta abordagem facilita, neste caso, o distanciamento da investigadora britânica face à sua própria cultura, transformando essa experiência em objeto de análise, ao mesmo tempo que estuda outras culturas. Trata-se aqui de reposicionar a sociedade ocidental, que sempre ocupou um papel central à escala global. Esta abordagem, que se inicia com o estudo de uma outra cultura, define, numa segunda fase, duas formas de conhecimento através das quais se concretiza a compreensão mútua destas duas entidades. Assim, o papel do investigador trata de mediar entre duas culturas e dois campos de conhecimento. Esta proposta é, em minha opinião, importante e inovadora, mas as suas lacunas evidenciam-se aquando da sua implementação prática.
Strathern tentou aplicar o seu programa num volumoso livro sobre as sociedades da Nova Guiné (cf. Strathern 1988: 18-19, 221, e 268-274). O trabalho baseou-se na sua experiência de trabalho de campo e na literatura existente, confrontando as problemáticas antropológicas com o tipo de conhecimentos acumulados pelas comunidades daquela região. Essa abordagem destacou o caráter limitado dos paradigmas europeus comparativamente com as conceções locais, permitindo identificar os modelos conceptuais que serviram a descrição dessas sociedades, ainda que estes não encontrem correspondência nas perceções que essas sociedades têm de si mesmas e da sua própria realidade.
Essa abordagem forneceu-nos resultados significativos no que diz respeito ao conhecimento das premissas europeias subjacentes à análise deste contexto, e, ao mesmo tempo, das fórmulas reconhecidas localmente pelos grupos da Nova Guiné. No entanto, na minha opinião, este é um processo teoricamente limitado. O trabalho de Marilyn Strathern permitiu seguramente explorar os componentes e as estruturas do discurso europeu, confrontando-os com o tipo de discursos existentes na Nova Guiné. Porém, existe um vasto acervo de conhecimento acumulado por investigadores europeus, sendo que os materiais produzidos localmente não parecem ir além das práticas descritas pela antropologia. Em ambos os casos, os paradigmas reconhecidos na Nova Guiné, assim como aqueles reconhecidos a autores europeus que trabalharam esta região, constituem na verdade o âmago das suas conclusões. Este projeto permanece assim vinculado a tradições científicas europeias que têm o hábito de diagnosticar outras culturas visando uma autocrítica, ou o elogio. Contudo, e ao contrário do que a antropologia britânica tem afirmado, a construção de conhecimento não está apenas ligada à história de determinadas problemáticas e à aplicação de alguns conceitos, mas também à filiação e às preocupações mais relevantes para a sociedade de pertença de cada investigador.
A minha experiência de longo prazo afirma um projeto que gradualmente se revelou diferente das tentativas que resumi acima (de forma muito concisa). A sua base desenvolveu-se lentamente, centrando-se numa relação complexa, mas frutífera, com a sociedade que estudo e à qual igualmente pertenço. Uma vez expostas as ambiguidades da minha pertença a uma determinada comunidade, esse processo deve isentar-me de assumir que essa comunidade (“nativa”) se encontre separada de outras. A minha filiação caracteriza-se, antes de tudo, pelo envolvimento efetivo em preocupações que diferem das de outros grupos, apesar da atual integração em redes globalizadas. Nesse sentido, imagino que todos nós, em todos os lugares, muito embora envolvidos em dinâmicas globais, ocupamos diferentes posições nesse enquadramento. Aos que duvidam disso, bastará visitar uma cidade marroquina, seguida da visita a uma cidade francesa da mesma escala. O visitante encontrará similitudes entre alguns fenómenos decorrentes dos fluxos globalizados, mas rapidamente constatará também diferenças nas vidas dos jovens de ambas as cidades. Esse visitante verá, por exemplo, que alguns jovens marroquinos vivem no mundo virtual, mas as suas vidas não atendem às suas aspirações reais, sonhando permanentemente com a possibilidade de emigrarem. Quanto aos jovens da cidade francesa, eles vivem entre o virtual e o real. Podem até pensar em emigrar, mas não na mesma direção e da mesma maneira que os jovens marroquinos. O visitante descobrirá que os jovens marroquinos são simultaneamente emigrantes virtuais e prisioneiros do real. E isso muda tudo (Hammoudi 2017). Trata-se de uma ligação verdadeiramente orgânica, que se manifesta em primeiro lugar, e acima de tudo, através da situação presente, de preocupações e problemáticas complexas, e não através da separação entre áreas geográficas.
Tentei esclarecer as características deste projeto, ligando-me com as formas de antropologia atualmente existentes, assim como com a antropologia clássica e colonial. Esforcei-me, em particular, por abordar esta última, analisando o seu valor epistémico e procurando rastrear toda a sua complexidade. Associei este exercício diretamente à experiência de trabalho de campo, saindo das normas convencionadas e comprometendo-me com esta metodologia enquanto mecanismo essencial para construir a (necessária) distância. Concluí que a distância que adotei é semelhante àquela adotada pelo investigador estrangeiro. No entanto, “semelhante” não quer dizer “igual”, ou “imitação”. É semelhante apenas no sentido de que essa distância se manifesta num sentido geral, diferindo daquela que o investigador europeu tenta construir ao estudar sociedades não europeias, ao impor um posicionamento que procura reduzir a distância entre campos e relações. Em contrapartida, a distância que tentei construir resulta de um esforço de afastamento, ainda que mantendo a proximidade.
O meu projeto define-se como uma experiência enquadrada no contexto atual, que assistirá à emergência de antropologias “nacionais”, como alguns colegas europeus já apontaram. Isso não é surpreendente, se considerarmos que as tradições científicas antropológicas em línguas europeias são também tradições nacionais. Ao dar passos em direção a essas antropologias nacionais, concebo-as através de algumas considerações fundamentais que devo mencionar. Em primeiro lugar, procuro estabelecer a língua árabe através de tudo daquilo que define a sua escrita e a sua criatividade conceptual – na condição de não nos encontrarmos limitados a esse território linguístico. Devemos estar preparados para a necessidade de entrar num espaço público mais abrangente do que o espaço linguístico árabe, interagindo de forma sustentada com fórmulas de conhecimento e com metodologias diversificadas e globais. Uma segunda consideração assenta no regresso ao vasto conhecimento científico acumulado em língua árabe durante séculos. Esse processo deve incorporar conceitos e abordagens desse acervo, num diálogo com tradições ocidentais e não ocidentais num contexto global.
Abdellah Hammoudi (Professor of Anthropology, Emeritus, Princeton University)
Temara, 4 de outubro de 2018.
Abdellah Hammoudi was Professor at the Mohammed V University in Rabat, Morocco, and the first holder of the Faisal Visiting Professorship at Princeton. He was the founding director of the Institute for the Transregional Study of the Contemporary Middle East, North Africa, and Central Asia. Professor Hammoudi has done extensive work on the ethno-history of his native Morocco, fieldwork in Morocco, Libya and Saudi Arabia, as well as participated in major development projects in these three countries. His most recent book, Une saison à la Mecque, published by Le Seuil, Paris, in 2004, was translated into English: A Season in Mecca, Hill and Wang, 2006, as well as in several other languages including Arabic, Dutch, Italian and German. Two other books published in French were translated into English: The Victim and Its Masks, Essay on Sacrifice and Masquerade in Maghreb (1993), and Master and Disciple, The Cultural Foundations of Moroccan Authoritarianism in Comparative Perspectives(1997), both published by University of Chicago Press. More recently, he edited Democratizing the South Shore, Between Persuasion and Invasion, in French, CNRS, 2007. His publications include books on agrarian policy and the relation of tribal organization to religion. He has also participated in the production of several films for television based on his ethnographic work. He teaches courses on Islamic movements, Middle East society, colonialism, French ethnographic theory, and political anthropology.
Fac-simile de A distância e a Análise: Para a Formulação de Uma Antropologia Árabe (Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya, Casablanca: Éditions Toubkal)
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BIBLIOGRAFIA
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STRATHERN, Marilyn, 1988, The Gender of the Gift. Berkeley, CA: University of California Press.
[1] Nota do editor: a versão original deste texto, em língua árabe, foi publicada como introdução ao livro de Abdallah Hammoudi, Al-masāfa wa al-taḥlīl: fī ṣyāghat anthrūbūlūjya ʿarabiyya / A Distância e a Análise: Para a Formulação de Uma Antropologia Árabe (Casablanca: Éditions Toubkal, 2018).
[2] Nota do editor: aproximando-se hoje dos 400 milhões de falantes.
[3] Nota do editor: Al-nahḍa, movimento que, entre o final do século XIX e início do século XX, procurou revitalizar a produção cultural e intelectual em língua árabe a partir do Médio Oriente (Egito, Síria e Líbano, em particular).
[4] Nota do editor: língua árabe coloquial marroquina.
[5] Com o encorajamento dos saudosos professores Paul Pascon e Germain Ayache. A discussão com o primeiro foi sempre útil e proveitosa, muito embora ele valorizasse sobretudo a pesquisa sociológica, sem demonstrar grande interesse por metodologias e teorias antropológicas. Quanto a Germain Ayache, nos encontros que tive em sua casa, discutimos sobretudo as técnicas da crítica histórica e o uso dos arquivos.
[6] Ver também Hammoudi (1970, 1974, 1980, 1981, 1985, 1988).
[7] Nota do editor: protetorado francês em Marrocos, 1912-1956.
[8] Nota editor: sociólogo marroquino (1932-1985).
[9] Sobre “antropologia indígena”, ver Fahim (1982).
[10] Sobre “nativo” e “antropólogo nativo”, ver Narayane (1993).
[11] Nomeadamente Skounti (2004).