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21.05.2024
In recent decades, a global solidarity movement among various Indigenous peoples, Afro-descendants, and traditional communities has grown, united to defend and preserve their territories and linguistic diversity. Joining the international community to create safe spaces for dialogue, we present the contributions of three active Indigenous colleagues in education: Yacunã Tuxá (Rodelas, Bahia), Luã Apyká (Tupi Guarani, São Paulo), and Natasha Gambrell (Eastern Pequot, Connecticut), along with Indigenous and non-Indigenous academics from Brazil, United States and Ecuador. The conversations took place at the International Seminar “Indigenous and Afro-descendant Peoples in the Americas: Collaboration, Archaeology, Repatriation, and Cultural Heritage”, with central objectives to 1) create pathways to increase Indigenous presence in universities with direct involvement in constructing their narratives; 2) align academic research with community demands; 3) develop multilingual educational materials; and 4) use art as a tool for resistance and healing. The discussion emphasized how collaboration between archaeology and communities can positively impact the survival stories of Indigenous peoples.
DOI: https://doi.org/10.25660/AGORA0015.E1YP-MV02
Nas últimas décadas cresceu um movimento global de solidariedade entre vários povos Indígenas, Afrodescendentes e comunidades tradicionais, unidos para defender e preservar territórios, diversidade cultural e linguística. Integrando-se na comunidade internacional para criar espaços seguros de diálogo, apresentamos as contribuições de três colegas Indígenas atuantes em educação: Yacunã Tuxá (Rodelas, Bahia), Luã Apyká (Tupi Guarani, São Paulo) e Natasha Gambrell (Eastern Pequot, Connecticut) e de acadêmicos Indígenas e não-Indígenas do Brasil e Estados Unidos. As conversas aconteceram no Seminário Internacional “Povos Indígenas e Afrodescendentes nas Américas: Colaboração, Arqueologia, Repatriação e Patrimônio Cultural”, na temática “Arqueologias Indígenas, Território e Direitos Humanos”, com objetivos centrais para 1) criar caminhos para aumentar a presença Indígena nas universidades com envolvimento direto na construção de suas próprias narrativas; 2) alinhar a pesquisa acadêmica com as demandas da comunidade; 3) desenvolver materiais educacionais multilíngues; e 4) usar a arte como ferramenta de resistência e cura. A conversa enfatizou como a colaboração entre arqueologia e comunidades pode afetar positivamente as histórias de sobrevivência dos povos Indígenas.
En las últimas décadas, ha crecido un movimiento global de solidaridad entre varios pueblos Indígenas, afrodescendientes y comunidades tradicionales, unidos para defender y preservar territorios, diversidad cultural y lingüística. Integrándose a la comunidad internacional para crear espacios seguros de diálogo, presentamos las contribuciones de tres colegas Indígenas activos en educación: Yacunã Tuxá (Rodelas), Luã Apyká (Tupi Guarani) y Natasha Gambrell (Eastern Pequot), y de académicos Indígenas y no-Indígenas de Brasil, Estados Unidos y Ecuador. Las conversaciones tuvieron lugar en el Seminario Internacional “Pueblos Indígenas y Afrodescendientes en las Américas: Colaboración, Arqueología, Repatriación y Patrimonio Cultural”, en la temática “Arqueologías Indígenas, Territorio y Derechos Humanos”, con objetivos centrales para 1) crear caminos para aumentar la presencia Indígena en las universidades con involucramiento directo en la construcción de sus propias narrativas; 2) alinear la investigación académica con las demandas de la comunidad; 3) desarrollar materiales educativos multilingües; y 4) usar el arte como herramienta de resistencia y sanación. La conversación enfatizó en cómo la colaboración entre la arqueología y comunidades puede impactar positivamente las historias de supervivencia de los pueblos Indígenas.
YT: O povo Tuxá, ao qual pertenço, foi profundamente afetado no final da década de 1980 pela construção da barragem de Itaparica que inundou parte do nosso território tradicional. Ainda hoje lutamos pela demarcação desse território, essencial para nossa sobrevivência. Embora a barragem seja vista pelos não-Indígenas como um símbolo de progresso, para nós teve um impacto devastador na organização social e afetou profundamente a vitalidade do nosso rio (figura 3). Em nossa comunidade, a educação e a escola são essenciais para ensinar às crianças a importância de desenvolver formas de resistência, com um papel central para as mulheres. A arte e a universidade são ferramentas poderosas para defender meu território, construir pontes, compartilhar informações, discutir nossas causas e nos organizar politicamente.
Figura 3 – Mapa do território de Tuxá (1984 e 2023), Bahia (Brasil)
LA: Quero expressar minha gratidão por este encontro muito poderoso. Cada sopro de vida gera outros sopros e esses encontros e diálogos nos permitem desconstruir e reconstruir os sagrados laços que nos fortalecem. O dia dos Povos Indígenas no Brasil nos lembra das diversas cosmologias e percepções de tempo, mas não podemos falar de invasões territoriais apenas no contexto da terra física; devemos considerar a invasão de nosso território espiritual, corporal e da retomada pelo bem falar e ouvir. Para o povo Tupi Guarani e muitas outras etnias, a luta pela demarcação de terras e o respeito às cosmovisões são centrais (figura 4). Utilizamos diversas estratégias para fortalecer nosso povo, o Teko porã e o Ñande rekó representam a nossa filosofia de vida e temos desenvolvido várias oficinas e produção audiovisual para preservar nossa cultura, centradas nas maneiras ancestrais de aprender e ensinar.
Figura 4 – Mapa das comunidades Tupi Guarani de São Paulo (Brasil)
BM: Quais são os principais desafios que você ou sua comunidade enfrentaram no reconhecimento territorial, língua e herança cultural?
NG: Para contar a história do povo Eastern Pequot, devemos considerar os eventos que ocorreram no século XVII, especialmente a Guerra dos Pequot de 1636-1637. Foi neste período que nossa comunidade foi quase aniquilada pelos ingleses que se estabeleceram em nossas terras nas duas décadas anteriores. Fomos proibidos de falar nossa antiga língua e de retornar à nossa terra ancestral. Nossa cultura foi considerada ilegal, e muitos de nós foram vendidos como pessoas escravizadas. Esse período marcou o nosso primeiro genocídio. Após a guerra, os Eastern Pequot retornaram às nossas terras transformadas em reserva em 1683 pelos ingleses antes de os Estados Unidos se tornarem um país. Ainda lutamos incansavelmente para preservar nossa identidade, e a arqueologia tem sido uma aliada poderosa nesse processo. Mesmo quando o reconhecimento federal foi revogado, nos unimos e fizemos o nosso melhor para garantir nossa sobrevivência e visibilidade, pois a nossa história e presença nos EUA foram ignoradas, apagadas e fomos silenciados. Por isso, reafirmamos continuamente a nossa existência para todos saberem que estamos aqui, mesmo quando fazem parecer que não estamos.
YT: No Brasil, o povo Tuxá também enfrenta séculos de violência com apagamento, silenciamento, perseguições, catequização brutal e abandono forçado da língua e territórios invadidos. A colonização continua, somos constantemente discriminados e sofremos racismo, pressionados a renunciar à nossa identidade, existência e modo de pensar. É difícil compreender que hoje precisamos provar nossa existência e ancestralidade (figura 5), como no caso do Marco Temporal. Raramente se fala do racismo no Brasil sob a perspectiva Indígena, algo que debato com outros artistas Indígenas enquanto principal entrave para garantir os nossos direitos. Muitas pessoas desconhecem nossa diversidade e nos violentam pelo capitalismo, como se fôssemos inimigos do progresso. Porém essa ideia de progresso não sustenta o futuro. Meu povo tem se engajado em várias formas de resistência, como a criação de uma escola em nossa comunidade, sendo a base de nossa organização política. Nela, nos unimos e fortalecemos, revitalizamos nossa língua e criamos um currículo com nossos conhecimentos tradicionais. Na universidade, muitas vezes encontro um discurso que coloca o conhecimento científico como superior à diversidade dos conhecimentos no mundo. No entanto, minha comunidade ensina que nosso conhecimento e origem são fundamentais em nossa luta para um mundo que abrigue muitos mundos e cosmovisões.
Figura 5 – Sem título, Yacunã Tuxá
LY: No passado, não havia necessidade de delimitar fronteiras territoriais porque entendíamos que o território era compartilhado por todos e por tudo que nele habita: os animais, plantas e espíritos, que dialogam entre si. Um território pluriverso! Como seres da floresta, o território faz parte do mundo espiritual Tupi Guarani, mas hoje precisamos estabelecer fronteiras para garantir a preservação da floresta. Nossa terra representa a última floresta de restinga (hábitats herbáceos/arbustivos em dunas costeiras) entre muitos territórios na costa de São Paulo. Assim, além de ser um território muito cobiçado por muitos seres, é também um território muito poderoso, com muitos seres pedra. Isso explica o interesse das empresas mineradoras, que não apenas afetaram este lugar, mas também nos afetaram profundamente. A língua Tupi-Guarani foi usada para colonizar territórios, sendo que a primeira gramática escrita foi criada por jesuítas.
Eram faladas mais de 1.500 línguas no Brasil, antes dos europeus, embora alguns estudos digam que o número seria maior, assim hoje existem aproximadamente 270 línguas. A proibição das línguas Indígenas foi uma estratégia colonialista muito poderosa, mas resistimos e hoje lutamos incansavelmente para preservar nossas línguas.
BM: Como você prevê que as estratégias que empregou para reviver, proteger e defender seu patrimônio promoverão um futuro melhor para sua comunidade, seu país e nossa humanidade?
YT: Eu sou uma mulher Indígena LGBTQIA+ e isso diz muito sobre minha presença, fala, arte e como chego nos espaços e contextos. Desde a adolescência acompanhei as lideranças do meu povo, viajando para atividades políticas e ativismo social. Desde cedo, senti a importância de estar em coletividade e lutar pelos direitos da minha comunidade (figuras 6 e 7). Isso também me fez compreender a importância de visitar Brasília, vivenciar na capital do país como o Estado brasileiro trata as pautas Indígenas. O país está saindo de quatro anos de um governo abertamente genocida, violento, homofóbico e ameaça à nossa própria existência. Desde 2019, articulo diferentes linguagens criativas para lidar com a complexidade de ser quem eu sou, pensar um futuro, um devir, partindo da minha cosmovisão, do meu entendimento do mundo enraizado na identidade Tuxá. Me expresso pela escrita, pintura e colagens e compartilho minhas ilustrações nas redes sociais para ter canais de diálogo com meus parentes Indígenas e toda a sociedade brasileira. Minha arte tem urgência e propõe um devir cuja beleza reside em mostrar um futuro ancestral que abraça a diversidade e a pluralidade. Esses conhecimentos pertencem aos povos Indígenas e da Diáspora Africana. Agora temos de assumir o controle de nossa narrativa, compartilhar nossas histórias, expressar nossa dor e, especialmente, falar sobre nossos saberes. Temos muito a contribuir com um devir, reconhecendo que a Terra é única, a natureza é uma, e que o que construo e faço ressoa em todos e em todos os lugares.
Figura 6 – “O nosso amor é resistência”, Yacunã Tuxá
LA: Não é possível separar o passado do futuro. Falar sobre memória é falar sobre o futuro e resistência. Assim fortalecemos nossa herança cultural, espiritual e as conexões com nosso Ñande rekó – modo sagrado de ser. Vivemos em um mundo globalizado, capitalista e com religiões que advogam para as cosmologias Indígenas perderem suas espiritualidades. Nosso objetivo principal é promover a valorização de nossa cultura, do que é nosso, pois nossos ancestrais nos confiaram a responsabilidade de proteger esse conhecimento. Nós, artistas do território, fazemos parte de um movimento para promover a cura, conscientes de que Pindoretã é um território Indígena e que partes dele estão adoecendo. Quando saímos de nosso território e comunidade, levamos nossas palavras, línguas, práticas alimentares e muitos seres. Esse território deve ser reconhecido como indígena para que o conhecimento exista. É necessário transformar a linguagem em um grande movimento territorial com múltiplas formas e estratégias de fortalecimento. Uma conversa sagrada ocorre em lugares com uma fogueira e pessoas conversando ao redor – há memória nesses lugares, onde trabalhamos em nosso presente e futuro, incorporando os ensinamentos da floresta, dos anciãos e das crianças, que são grandes mestres. Estamos em um momento decisivo, onde podemos discutir abertamente nossa espiritualidade e fazemos parte de um movimento para fortalecer e rocupar os lugares de fala. Qual é a diferença entre ouvir nossas próprias vozes ou ler um livro escrito por uma pessoa não-indígena?
Figura 7 – “Ah, eu amo as mulheres”, Yacunã Tuxá
NG: Quando penso no futuro, lembro constantemente do que me ensinaram sobre a necessidade de nos preocuparmos com as próximas sete gerações. Então as minhas ações são para garantir uma vida melhor para elas! Recentemente, demos passos nessa direção, promovendo uma lei em Connecticut que estabelece estudos Indígenas nas escolas. Foi o primeiro passo, pois sempre nos disseram que nossos ancestrais são os guardiões de nossa história e que as crianças são responsáveis por preservá-la para o futuro. Esperamos que a arqueologia permita que nossas crianças toquem os artefatos, pois eles foram segurados e tocados por seus antepassados. Assim, promovemos uma maior visibilidade de sua cultura. Escrevo poesia, uma ferramenta poderosa para contar nossa história, garantindo que elas perdurem. Anseio pelo dia em que finalmente descansaremos no futuro, após lutar séculos pela visibilidade e nossa identidade. Sonho com um futuro em que meus netos e os filhos dos meus sobrinhos não lutem por isso. Acredito que as pessoas precisam ser educadas para entender que os povos Indígenas ainda estão aqui, existem e resistem. Temos orgulho de tudo pelo qual estamos passando e não desistiremos, pois a luta está enraizada em nossa história desde o início dos tempos. Queremos um futuro no qual estudantes e crianças tenham orgulho da sua ancestralidade Indígena. Nossas vozes foram silenciadas por muito tempo. Ao olhar às próximas sete gerações, entendo a importância da educação para fortalecer a cultura, permitindo que as crianças compreendam sua própria história. Minha mãe costumava dizer que é difícil construir um futuro se você não conhece seu passado. O que eu espero para o futuro é que as próximas gerações não precisem passar por tudo que passamos e vivenciamos.
BM: Como a arqueologia pode colaborar no fortalecimento das comunidades Indígenas? Como vocês consideram a articulação de várias comunidades para somar forças e aprendizados contra o racismo e tentativas de tirar as suas terras?
NG: Eu costumo dizer a todos que a arqueologia salvou a minha vida! Quando eu era jovem e nossa comunidade perdeu o reconhecimento, fiquei arrasada e parecia que minha identidade tinha desaparecido. Diziam que não existíamos, algo inimaginável para mim. Foi então que meu envolvimento com a arqueologia começou. Eu encontrava artefatos que provavam o contrário, que provavam que sempre estivemos aqui e me davam esperança. Era algo concreto, que mostrava que meu povo sempre fez parte dessa terra, independentemente do que o governo dizia. Sempre estivemos aqui. Se eu seguro este artefato, é porque meus antepassados estavam aqui. Sou profundamente grata a Steve Silliman e a todos que nos ajudaram a realizar arqueologia na comunidade, e hoje há pessoas de nossa comunidade interessadas em tornar-se arqueóloga(o)s. Nesta parceria entre a universidade e a comunidade, ouvir o que os Indígenas têm a dizer é crucial. Se eles dizem algo, ouça porque é importante! É apenas uma questão de construir essa relação, já que muitos Indígenas não confiam nos pesquisadores, então leva tempo para construir essa parceria. No entanto, ser honesto e genuíno e ouvir a comunidade é a coisa mais importante. Eu confio no Steve, pelo relacionamento respeitoso que ele estabeleceu conosco.
YT: Gostei muito do que falou a parente Natasha. Lembrou-me um trabalho que comecei, centrado no diálogo com nosso território, especialmente com as águas do rio. O projeto se chama “A Memória de Nós na Voz dos Rios”, feito para entender o que nosso território preserva em termos de memória – e isso passa pelo material, sendo comum encontrarmos objetos que são evidências claras de nossa presença ancestral ali. Então, nossa comunidade tem trabalhado nisso, utilizando algumas tecnologias em nosso favor. Estamos realizando mapeamentos com o auxílio do GPS, marcando pontos sempre que encontramos algum objeto relevante. No entanto, embora eu entenda a importância da arqueologia e de algumas políticas, percebo que alguns relatórios e mapas ainda demoram para serem feitos. Nesse contexto, acho que a arqueologia é uma aliada.
LY: Tenho uma opinião diferente sobre a arqueologia, mas também acho que as ações da(o)s arqueóloga(o)s podem mudar a visão de alguém. Sou cuidadoso em relação a tudo o que diz respeito ao contato com os territórios, respeitando a forma como nossos ancestrais o deixaram, suas intenções e espiritualidade. Esta é uma discussão crítica que envolve a sensibilidade de muitos seres (indivíduos), e espero que essa sensibilidade se estenda à arqueologia, que ainda está se descolonizando e muitos padrões educacionais são eurocêntricos. A linguística, minha área de pesquisa, carrega muitos padrões que dificultam a compreensão da minha própria língua, fazendo-me dizer: “Ei, eu não vejo minha língua exatamente assim, esta tem o espírito da língua de outras pessoas”. A arqueologia também precisa descolonizar o conceito de memória e fico feliz ao ver muitos Indígenas nesse movimento de descolonização dentro do território. Sinto que muitos seres (indivíduos) buscam fortalecer e respeitar o território, a memória de nosso povo e, especialmente, o futuro de como essa memória será tratada. É importante lembrar que a memória fortalece não apenas o corpo, mas a oralidade em si e isso desmaterializa o movimento da memória, transformando-a em algo presente em todos e em tudo à nossa volta.
Comentários da moderadora
Blaire Morseau
Agora enfrentamos questões críticas sobre os atos de nível estadual, federal e nacional que visam fazer com que os povos Indígenas desapareçam. Devemos lidar diariamente com o duplo desafio que isso representa. A arqueologia, arqueóloga(o)s, antropóloga(o)s e pesquisadora(e)s podem desenvolver-se com comunidades Indígenas e colaborar a elas de maneiras que nos permitam começar a desfazer danos. A arte também desempenha um papel vital como forma de soberania visual para algumas comunidades, oferecendo ferramentas de resistência contra diferentes formas de opressão. Nossas responsabilidades se estendem aos nossos ancestrais e às gerações futuras - o que chamamos de futuros ancestrais. Além disso, como foi apresentado neste painel, devemos reconhecer nossa conexão com os espíritos de outros seres, não apenas com outros seres humanos. Finalmente, esta plataforma é uma maneira de conectar os povos Indígenas além das fronteiras coloniais dos colonizadores. Agradeço em minha língua, ktthë migwėtth, ndenwémagnêk.
Comentários finais
Stephen W. Silliman
Este foi um painel verdadeiramente inspirador, e honestamente, é muito difícil ser a pessoa que faz os comentários finais. Para começar, quero dizer obrigado, gracias, e kutapatush na língua Pequot da comunidade histórica de Natasha. Agradeço aos palestrantes por seus comentários brilhantes e inspiradores. Eu acho, se eu puder dizer, que foi um sucesso retumbante, e considero verdadeiramente uma honra ser convidado para encerrar este evento. Sinto-me honrado por me terem convidado, mas parte de mim não quer ser a palavra final como o acadêmico não indígena deste painel. Em muitos aspectos, quero apenas me referir a tudo o que já foi dito. Mas como me pediram, acrescentarei apenas alguns comentários que, espero, sejam aceitáveis, que situem essas conversas em contextos mais amplos e abordem algumas das questões atuais.
Como eles reconheceram, e como todos nós deveríamos também, os palestrantes são as vozes do passado, vozes do presente e, mais importante, vozes do futuro. O seminário representa a próxima onda desse tipo de trabalho, e estou animado para ver a liderança vinda de pessoas Indígenas, especialmente mulheres Indígenas e artistas Indígenas. O dia de hoje nos mostrou todas as maneiras como a cooperação e colaboração entre comunidades Indígenas e entre comunidades e a academia podem funcionar.
Conforme observado por várias pessoas, a mudança real só virá com a ação coletiva. O colonialismo criou seus danos por meio de processos de ação coletiva, genocídio, deslocamento e racismo, que vão desde as práticas diárias das pessoas comuns até as ações governamentais. Ele deve ser combatido e desvendado com a ação coletiva indígena. De fato, a arqueologia como disciplina e as políticas governamentais no Brasil e nos Estados Unidos mudaram graças a esse tipo de ativismo indígena. Além disso, esse tipo de conversa Indígena internacional, especialmente com a inclusão de pessoas da Diáspora Africana e o longo arco desta série de seminários, realmente abre caminho para diálogos e mudanças futuras.
Vários temas surgiram na conversa de hoje: racismo, educação, linguagem, terra, arte, história, espiritualidade, apenas para citar alguns. Os três palestrantes mostram que o caminho a seguir, como foi no passado, é através da luta e da valorização das vozes e culturas Indígenas. Parte da valorização é amplificar vozes, proteger corpos, incentivar a expressão artística, centrar a saúde e o bem-estar e reconhecer a história (Atalay 2019). Por outro lado, a luta continua sendo difícil e cansativa. Como mencionou Natasha, o objetivo é construir tempo para as gerações futuras talvez descansarem um pouco mais à medida que essas lutas diminuem com mais vitórias. O idioma é um bom exemplo, como mencionaram várias pessoas; é algo que deve ser mantido e restaurado após o colonialismo, e isso não é fácil.
Também ouvimos sobre o papel dos artistas e da arte, especialmente de Yacunã. Como muitos falaram, a educação é vital, mas também tem sido uma ferramenta de opressão. Portanto, ela precisa de mais descolonização para ser capaz de fazer parte do trabalho que todos esperamos que ela possa fazer (Atalay 2008). Os excelentes comentários de hoje enfatizaram como isso pode funcionar e como a educação pode ser concentrar em perspectivas Indígenas, em vez de apenas substituí-las ou tentar incluí-las superficialmente. Um dos meus momentos favoritos foi quando Luã observou que a memória é o futuro, e ela ajuda a construir o futuro… mas também que o futuro é ontem e está incorporado (ver Gould et al. 2020; Mrozowski e Gould 2019). Isso reuniu todas essas múltiplas temporalidades, experiências e incorporações de uma maneira particularmente indígena. Além disso, Luã observou coisas importantes e poderosas sobre o território – que significa terra, significa corpo e significa linguagem. Para mim, esse pensamento expandido aborda as questões fundamentais da soberania.
Ao falar sobre memória, quero mencionar brevemente a arqueologia, pois ela surgiu como um tema no painel e nas perguntas. Como arqueólogo, tive a honra de trabalhar com a Eastern Pequot Tribal Nation nos últimos 20 anos em um projeto de arqueologia e patrimônio, conforme referido por Natasha várias vezes (Sebastian Dring et al. 2019; Silliman e Sebastian Dring 2008). Este projeto me ensinou muito sobre direitos Indígenas, história da terra, comunidade, identidade e conhecimento indígena. Também foi um espaço para desenvolver uma colaboração profunda entre uma comunidade nativa e uma universidade, assim como entre arqueóloga(o)s e a comunidade do presente. Isso mostrou que, mesmo quando eu tinha dúvidas sobre minha própria disciplina, que tem raízes e práticas coloniais terríveis, ela pode realmente fazer o bem. Para fazer esse bem, tal trabalho precisa estar alinhado com as necessidades da comunidade indígena (por exemplo, Atalay 2012; Cipolla et al. 2019; Gonzalez et al. 2018). Natasha chamou isso hoje de salvador de vidas.
Sinceramente, não consigo pensar em nada mais profundo e humilde do que ouvir isso, porque tal resultado não acontece com muita frequência. A arqueologia pode fazer isso não apenas fazendo ciência, mas contando histórias: histórias de persistência e, como alguns povos Indígenas da América do Norte dizem, histórias de sobrevivência (Acebo 2021; Rubertone 2019; Silliman 2014; Vizenor 2008). Focar nas narrativas históricas alinha o projeto arqueológico mais amplo com algumas das formas fundamentais de compartilhamento indígena na educação - ou seja, por meio de histórias. Como Yacunã e Luã observaram, a arqueologia e a educação, assim como outras partes da academia, devem ser políticas. A academia deve ser descolonizada, deve dar em vez de receber, e deve reconhecer os medos e suspeitas bem fundamentados que algumas comunidades Indígenas têm da academia. Respondendo ao comentário de Luã sobre a universidade como um repositório, acredito que as universidades devem definitivamente se afastar desse papel e, em vez disso, focar em valorizar, cuidar, ter lealdade e respeitar. Isso é o que eu quero continuar incentivando na minha própria instituição aqui nos Estados Unidos. Como Natasha observou no painel, é preciso confiança, tempo e disposição para isso acontecer.
Agradecimentos
As autorias gostariam de agradecer aos editores da Etnográfica, especialmente Humberto Martins e Renata de Sá Gonçalves. Ping-Ann Addo e Simone Harmath-de Lemos (UMass-Boston); Danielle G. Samia, pelos mapas; Cleberson Moura (MAE-USP) pelo apoio técnico na transmissão do painel; Andrea Chavez e Valentina Romero (LHA-Lab, UMass-Boston) pelas edições, transcrições e feedback atencioso. Tânia Casimiro, Iris Moraes e Fabiana Leite pelos comentários no painel. Francisco Noelli pelas revisões e comentários perspicazes. MSallum: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2019/17868-0, 2021/09619-0, 2019/18664-9), FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos UIDB/00698/2020 e UIDP/00698/2020.
[1] Tuxá, Yacunã (contatoyacuna@gmail.com) – Universidade Federal da Bahia, Brasil.
[2] Gambrell, Natasha (gambrelln@outlook.com) – Eastern Pequot Tribal Nation, North Stonington, Connecticut, Estados Unidos.
[3] Apiká, Luã (luanapyka27@gmail.com) –Universidade Estadual de Campinas, Brasil.
[4] Morseau, Blaire (morseaub@msu.edu) - University of Michigan, Estados Unidos.
[5] Silliman, Stephen W. (stephen.silliman@umb.edu) - University of Massachusetts-Boston, Estados Unidos. ORCID: 0000-0002-0157-8360.
[6] Balanzátegui, Daniela (Daniela.Balanzategui@umb.edu) – University of Massachusetts-Boston, Estados Unidos. ORCID: 0009-0005-3201-1251.
[7] Sallum, Marianne (marisallum@usp.br) – Universidade de São Paulo, Brasil; UNIARQ - Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Portugal. ORCID: 0000-0001-9210-2044.