Artigos
Mafalda Carapeto
Este artigo surge no seguimento do trabalho etnográfico realizado num aeroporto em Portugal, onde de junho de 2021 a abril de 2022 acompanhei nos vários grupos e turnos o quotidiano dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A
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Ana Silvia Valero, María Gabriela Morgante y Julián Cueto
Este trabalho pretende dar conta das interseções entre diferentes aspetos da vida quotidiana e das trajetórias de vida das pessoas idosas num espaço de bairro e a incidência da pandemia de Covid-19. Baseia-se no desenvolvimento sustentado,
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Liliane Moreira Ramos
Neste artigo discuto as reconfigurações do fenômeno chamado de culture jamming, característico da dimensão comunicativa do consumo político, a partir da apropriação de memes da Internet como uma ferramenta de crítica ao consumo. Com base na
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Jordi Nofre
The historical neighbourhood of Bairro Alto is the city’s most iconic nightlife destination, especially for tourists visiting Lisbon (Portugal). The expansion of commercial nightlife in this area has been accompanied by the increasing presence of
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Imelda Aguirre Mendoza
This text analyzes the term of force (mana’ap) as a native concept formulated by the pames (xi’iui) of the Sierra Gorda de Querétaro. This is related to aspects such as blood, food, cold, hot, air and their effects on the body. It is observed
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Mariana da Costa Aguiar Petroni e Gabriel K. Kruell
In this article we present an exercise of reflection on the challenges involved in writing and studying the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals in different geographical, historical and political scenarios: Mexico and Brazil,
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Douglas Ferreira Gadelha Campelo
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Emilene Leite de Sousa e Antonella Maria Imperatriz Tassinari
Este artigo analisa as experiências das crianças Capuxu com os animais de seu convívio diário, buscando compreender como as relações das crianças com estas espécies companheiras atravessam o tecido social Capuxu conformando o sistema
[+]Artigos
Elizeu Pinheiro da Cruz e Iara Maria de Almeida Souza
Ancorado em anotações elaboradas em uma etnografia multiespécie, este texto formula uma leitura de laboratórios de ciências biológicas como práticas situantes de atores humanos e não humanos. Para isso, os autores trazem à baila plantas
[+]Interdisciplinaridades
Vanessa Forneck e Eduardo Rocha
Esta pesquisa cartografa e investiga os territórios criados em decorrência do abandono das estações férreas, acentuado a partir dos anos 1980, nas cidades gêmeas de Jaguarão-Rio Branco e Santana do Livramento-Rivera, na fronteira
[+]Multimodal Alt
Giulia Cavallo
Em 2016, três anos depois de ter concluído o doutoramento, embarquei numa primeira tentativa de traduzir a minha pesquisa etnográfica, em Maputo entre igrejas Zione, para uma linguagem gráfica. Através de uma série de ilustrações
[+]Recursividades
Alejandro Vázquez Estrada e Eva Fernández
In this text we address the possibility of deconstructing the relationships – that have water as a resource available to humans – that have ordered some dichotomies such as anthropos-nature, establishing that there are methodologies, theories
[+]Argumento
Filipe Verde
Neste ensaio procuro primeiro identificar as razões do lugar marginal que a arte desde sempre ocupou no pensamento antropológico, sugerindo que elas são a influência da conceção estética de arte e da metafísica que suportou o projeto das
[+]Recensões
Diogo Ramada Curto
Celso Mussane (1957-) é um pastor evangélico moçambicano. Licenciou-se na Suécia (1994) e tirou o curso superior de Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Londrina no Brasil (2018). Entre 2019 e 2020, publicou
[+]Recensões
Francisco Martínez
Este libro tiene tres dimensiones analíticas: primero, es una etnografía del movimiento de cultura libre en Madrid. Segundo, es un estudio histórico sobre la traducción de lo digital a lo urbano, favoreciendo una nueva manera de posicionarse en
[+]Artigos
Vinícius Venancio
Os rumores, boatos e fofocas são parte constitutiva das sociedades e possuem um papel fundamental na coerção, controle e disciplinarização dos indivíduos em prol da coesão social. Eles tendem a emergir em momentos de tensões sociais e
[+]Artigos
Jaime Santos Júnior, Marilda Aparecida de Menezes
Em 2020, um ano após a realização de uma pesquisa que teve como objetivo principal analisar, comparativamente, os ciclos de greves de canavieiros, em Pernambuco, e de metalúrgicos de São Paulo e do ABC Paulista, que ocorreram em fins da década
[+]Artigos
Raquel Afonso
O quadro legal que serve de base à perseguição da homossexualidade em Portugal e no Estado espanhol surge antes do início das ditaduras ibéricas. Em Portugal, por exemplo, a I República cria legislação contra “os que praticam vícios
[+]Artigos
Ana Gretel Thomasz, Luciana Boroccioni
This article links the issues of the inhabit and housing rights with that of the making of citizenship, which are explored from an anthropological perspective. It is based on the ethographic work developed between 2015-2020 with the inhabitants of a
[+]Artigos
Deborah Daich
In June 2020, the Argentine Ministry of Development launched the National Registry of Popular Economy (ReNaTEP) which, among other categories, included sex workers and strippers. Sex workers’ organizations celebrated the possibility of registering
[+]Recursividades
Cristina Santinho, Dora Rebelo
O artigo surge a partir de uma investigação baseada em etnografia: observação participante, recolha de histórias de vida, entrevistas e testemunhos de refugiados e migrantes, residentes em Portugal. Centramo-nos numa experiência particular de
[+]O livro e os seus críticos
Victor Hugo de Souza Barreto
Parte do nosso compromisso no trabalho etnográfico é o de reconhecer nossos interlocutores como sujeitos de desejo. Mesmo que esses desejos, escolhas e vontades não sejam aqueles entendidos por nós, pesquisadores, como “bons”, “melhores”
[+]O livro e os seus críticos
Paulo Victor Leite Lopes
A partir de um investimento etnográfico denso, o livro Minoritarian Liberalism: A Travesti Life in the Brazilian Favela, de Moisés Lino e Silva, traz interessantes reflexões a respeito dos limites ao (suposto) caráter universal e inequívoco em
[+]Dossiê "Neoliberalism, universities, and Anthropology around the world"
Virginia R. Dominguez, Mariano D. Perelman
The idea for this dossier began with a conversation over one of those long breakfasts given at conferences. It was 2014 and the blows of the 2008 economic crisis were still being felt strongly. There was growing concern in the academic field over
[+]Recensões
Mwenda Ntarangwi
At a time when it is critical to understand humanity and its various forms of socioeconomic and political life, anthropology and other social sciences are being threatened by a neoliberal emphasis on “relevant” courses in universities in Kenya.
[+]Dossiê "Neoliberalism, universities, and Anthropology around the world"
Bonnie Urciuoli
A discipline’s value depends on the institutional position of its valuers. In U.S. liberal arts undergraduate education, trustees, marketers, and parents routinely link disciplinary value to “return on investment”. This market logic is evident
[+]Dossiê "Neoliberalism, universities, and Anthropology around the world"
Alicia Reigada
Neoliberal reforms arising from Spain’s entrance into the European Higher Education Area (EHEA) have had major consequences for academic practice and unleashed heated debate in the university community and society. This article explores the main
[+]Dossiê "Neoliberalism, universities, and Anthropology around the world"
Luis Reygadas
This article analyzes how the working conditions for Mexican anthropologists have deteriorated throughout the last few decades. Until half a century ago, only a few dozen professional anthropologists practiced in Mexico, and most of them had access
[+]Dossiê "Neoliberalism, universities, and Anthropology around the world"
Gordon Mathews
There are global neoliberal pressures on the academy that are more or less faced by anthropologists around the world. To what extent are anthropologists required to publish in English in SSCI-ranked journals to keep their jobs and get promoted? But
[+]Recensões
João Pina-Cabral
This is a truly innovative ethnography about writing; a worthy anthropological response to Derrida’s deconstruction of the notion. It centers on the encounter between two marginal creators: a brilliant geometrician from Africa, and a seasoned
[+]Artigos
Diogo Henrique Novo Rocha
Fazer antropologia na boca do urso, sem descrições densas ou contextos teóricos, apenas numa dialética simples entre tensões do mundo ocidental “capitalista” e as cosmologias animistas do Norte. Uma pretensão que leva a antropóloga
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Amaci. Preparação para a festa de Oxum. Foto: Pedro Carlessi
Cheguei no terreiro ao amanhecer. O horário tinha um propósito, me disse Mãe Janice: “não se apanha folha debaixo de sol”. Era setembro e o terreiro se preparava para a festa de Oxum. Enquanto caminhávamos à procura das plantas que seriam apanhadas naquela manhã, Mãe Janice se lembrou que na véspera do nosso encontro uma florada amarela havia brotado no jardim. Entre ervas rasteiras difíceis de serem distinguidas sem a habilidade com que ela às mostrava, os pequenos botões amarelos – delicados devires de Oxum –testemunhavam a presença da divindade nos preparativos da festa. “Olha aí, é um trevo!”.
Para além dos caprichos de Oxum, a observação revelava uma atenção refinada da mãe-de-santo às plantas do terreiro. Entre as que conhecia e me apresentava, predominavam nomes genéricos, que transcendem a cosmologia religiosa afro-brasileira, mas refletem uma sensibilidade particular em relação aos atributos desses vegetais. Os nomes são dados conforme a cor, o aspecto e a textura, além de indicarem os locais de coleta. Também fazem referências ao panteão cultuado e ao uso ritual, sem se restringir a domínios fixos ou predefinidos nessa relação. No entanto, a atenção dada àquele trevo vinha ao encontro de um pedido meu. Isso porque, paralelo ao trabalho de campo no qual eu estava envolvido, um grupo de botânicos integrava o projeto de pesquisa que me levou ao terreiro.
Para conhecer e classificar as plantas daquela comunidade, os botânicos se baseavam em atributos de outras ordens e me pediam exemplares sempre em floração. Aquilo fazia pouco sentido para Mãe Janice, que classifica as plantas fundamentalmente pelas folhas e seus detalhes. Quando me apresentou o trevo, explicou que era uma planta de erê – divindade associada aos santos Cosme e Damião. Na cosmologia afro-brasileira, uma das moradas míticas de erê é, justamente, o jardim. Ver o trevo crescendo livremente no jardim do terreiro era uma forma de confirmar a ligação entre a comunidade, erê e Oxum, que dava às flores o tom amarelo-ouro. Antes de arrancá-lo da terra, murmurou duas cantigas, passando os dedos com cuidado sobre as folhas. Com um toque preciso, retirou o trevo sem quebrar folhas ou raízes. Voltou-se para mim, apontado os detalhes da folha aveludada: “Tá vendo o capricho? É Oxum”.
Pela tarde, levei o trevo para os botânicos. No laboratório em que trabalhavam, as plantas do terreiro eram meticulosamente inspecionadas e higienizadas, depois envoltas em folhas de jornal antigo e colocadas em uma prensa de madeira que as comprimia antes de irem para a desidratadora. Sem a presença da água — que, no terreiro, é domínio também de Oxum — os botânicos identificavam as plantas principalmente em função de seus órgãos reprodutivos.
Estendidas sobre uma mesa intensamente iluminada, as folhas desidratadas agora permitiam aos botânicos reconhecer fragmentos de um mundo mais estável, passível de catalogar. Com uma régua, mediram altura e largura, tornando o trevo mensurável. “É fundamental procurar pelos padrões”. Cada padrão observado ganhava um nome. Nesse processo, me diziam, as folhas são elementos muito rudimentares, insuficientes para uma classificação precisa. Já as flores e frutos revelam diferenças evolutivas marcantes. Fragmentaram o trevo com uma pinça, mas foi apenas com o auxílio de um poderoso microscópio Leica MZ 6 que se tornou possível notar que naquele exemplar corola e cálice estavam unidos, formando um perigônio de tubo com seis segmentos petaloides lineares. Com base nessa informação, de pronto fui informado que aquele trevo, na verdade, era uma samambaia. Me disseram que pouca gente sabe, mas muitos trevos são samambaias.
Laboratório, os fins e os meios. Registro de campo. Foto: Pedro Carlessi
No terreiro, samambaia é planta de caboclo, uma divindade que até assusta erê. Além disso, os botânicos me lembraram que samambaias não produzem flores, mas esporos, geralmente na face das folhas. Com uma pinça agora guiada por lupa e uma lâmpada de tamanha intensidade, separaram as flores que acompanhavam o vegetal. Segundo os botânicos, as flores amarelas vinham de outra planta, que havia crescido emaranhada ao trevinho que Mãe Janice colhera.
Depois de algumas ponderações entre os três taxonomistas que ali estavam, decidiram enviar a planta para um outro grupo, especialista em samambaias. Alguns dias depois, recebi o telefonema de um deles. “Não há mais dúvida. É mesmo uma samambaia. Família Marsileaceae. Mas nessas condições não é possível identificar com mais precisão”.
Visto que samambaias não são flor, para identificá-las com o mais alto grau de certeza botânica, era preciso observar os esporos — “esporocarpos, na verdade”, estruturas reprodutivas que crescem próximas à raiz e contêm os esporângios necessários para a identificação dos taxonomistas. Recomendaram que eu colhesse outro exemplar da mesma planta e o mantivesse em um recipiente com água, garantindo as condições ideais para o desenvolvimento dos esporocarpos.
Voltei o terreiro. Novamente com Mãe Janice, pegamos mais um punhado do trevo. Com raiz, com flor, com tudo. Fiz um vaso com água suficiente para a planta, que nunca desenvolveu esporocarpos. Mãe Janice estava certa: aquela Marsileaceae era mesmo um trevo.
Pedro Crepaldi Carlessi
Foto capa: Plantas e Saberes. Diário de campo, Pedro Carlessi
Pedro Crepaldi Carlessi é doutor em Saúde Coletiva pela Universidade de São Paulo. Pela mesma instituição, entre 2015 e 2020 integrou o Centro de Estudos de Religiosidades Contemporâneas e das Culturas Negras. Entre 2021 e 2022 foi investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Se dedica às formas de acesso e patrimonialização da sociobiodiversidade, assim como aos diferentes regimes de conhecimento que interagem na produção de corpos e cuidados mediados por plantas. É pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Núcleo de Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).