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Vol. 29 (1)
2025



Artigos

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

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Artigos

“Preventing them from being adrift”: challenges for professional practice in the Argentinean mental health system for children and adolescents

Axel Levin

This ethnographic article addresses the difficulties, practices, and strategies of the professionals of the only Argentine hospital fully specialized in the treatment of mental health problems of children and adolescents. More specifically, it

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Artigos

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

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Artigos

To migrate and to belong: intimacy, ecclesiastical absence, and playful competition in the Aymara Anata-Carnival of Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

The article analyzes the Anata-Carnival festivity celebrated in the Andean town of Chiapa in the Tarapacá Region, Great North of Chile. I suggest that this celebration constitutes one of the main events that promote the reproduction of feelings of

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Artigos

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

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Memória

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

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Dossiê "Géneros e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana"

The difficult balance between work and life: care arrangements in three generations of Cape Verdean migrants

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

The reconciliation of the personal, work and family spheres of migrants is an emerging issue in migration studies, with concepts such as the transnational family and global care chains. In this contribution we analyse the strategies deployed by

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Debate

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

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Debate

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

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Debate

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

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Debate

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

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Nota sobre a capa

Nota sobre a capa

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

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Vol. 28 (3)
2024



Artigos

Conveniências contingenciais: a antecipação como prática temporal dos inspetores do SEF na fronteira aeroportuária portuguesa

Mafalda Carapeto

Este artigo surge no seguimento do trabalho etnográfico realizado num aeroporto em Portugal, onde de junho de 2021 a abril de 2022 acompanhei nos vários grupos e turnos o quotidiano dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A

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Artigos

Cotidiano e trajetórias vitais situadas de mulheres idosas (AMBA, província de Buenos Aires, Argentina): a incidência da pandemia de Covid-19

Ana Silvia Valero, María Gabriela Morgante y Julián Cueto

Este trabalho pretende dar conta das interseções entre diferentes aspetos da vida quotidiana e das trajetórias de vida das pessoas idosas num espaço de bairro e a incidência da pandemia de Covid-19. Baseia-se no desenvolvimento sustentado,

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Artigos

As reconfigurações do culture jamming no ambiente digital: o caso dos memes anticonsumismo na campanha #antiblackfriday (Brasil)

Liliane Moreira Ramos

Neste artigo discuto as reconfigurações do fenômeno chamado de culture jamming, característico da dimensão comunicativa do consumo político, a partir da apropriação de memes da Internet como uma ferramenta de crítica ao consumo. Com base na

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Artigos

Informal economies in Bairro Alto (Lisbon): the nocturnal tourist city explained through a street dealer’s life story

Jordi Nofre

The historical neighbourhood of Bairro Alto is the city’s most iconic nightlife destination, especially for tourists visiting Lisbon (Portugal). The expansion of commercial nightlife in this area has been accompanied by the increasing presence of

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Artigos

A pame theory of force: the case of the xi'iui of the Sierra Gorda of Querétaro, Mexico

Imelda Aguirre Mendoza

This text analyzes the term of force (mana’ap) as a native concept formulated by the pames (xi’iui) of the Sierra Gorda de Querétaro. This is related to aspects such as blood, food, cold, hot, air and their effects on the body. It is observed

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Artigos

Convergences and bifurcations in the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals from Mexico and Brazil

Mariana da Costa Aguiar Petroni e Gabriel K. Kruell

In this article we present an exercise of reflection on the challenges involved in writing and studying the biographies and autobiographies of indigenous intellectuals in different geographical, historical and political scenarios: Mexico and Brazil,

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Artigos

A história através do sacrifício e da predação: território existencial tikmũ,ũn nas encruzilhadas coloniais entre os estados brasileiros de Minas Gerais e Bahia

Douglas Ferreira Gadelha Campelo

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Artigos

“Pra virar gente”: a imitação afetuosa nas relações das crianças Capuxu com seus bichos

Emilene Leite de Sousa e Antonella Maria Imperatriz Tassinari

Este artigo analisa as experiências das crianças Capuxu com os animais de seu convívio diário, buscando compreender como as relações das crianças com estas espécies companheiras atravessam o tecido social Capuxu conformando o sistema

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Artigos

Laboratórios de ciências biológicas como práticas: uma leitura etnográfica da anatomia vegetal em uma universidade da caatinga (Bahia, Brasil)

Elizeu Pinheiro da Cruz e Iara Maria de Almeida Souza

Ancorado em anotações elaboradas em uma etnografia multiespécie, este texto formula uma leitura de laboratórios de ciências biológicas como práticas situantes de atores humanos e não humanos. Para isso, os autores trazem à baila plantas

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Interdisciplinaridades

Mapas sensíveis nos territórios abandonados de estações férreas na fronteira Brasil-Uruguai

Vanessa Forneck e Eduardo Rocha

Esta pesquisa cartografa e investiga os territórios criados em decorrência do abandono das estações férreas, acentuado a partir dos anos 1980, nas cidades gêmeas de Jaguarão-Rio Branco e Santana do Livramento-Rivera, na fronteira

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Multimodal Alt

Uma etnografia gráfica como forma de afeto e de memória: aflições, espíritos, e processos de cura nas igrejas Zione em Maputo

Giulia Cavallo

Em 2016, três anos depois de ter concluído o doutoramento, embarquei numa primeira tentativa de traduzir a minha pesquisa etnográfica, em Maputo entre igrejas Zione, para uma linguagem gráfica. Através de uma série de ilustrações

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Recursividades

Desanthropic ethnography: between apocryphal stories of water, deep dichotomies and liquid dwellings

Alejandro Vázquez Estrada e Eva Fernández

In this text we address the possibility of deconstructing the relationships – that have water as a resource available to humans – that have ordered some dichotomies such as anthropos-nature, establishing that there are methodologies, theories

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Argumento

A Antropologia da Arte, a Antropologia – história, dilemas, possibilidades

Filipe Verde

Neste ensaio procuro primeiro identificar as razões do lugar marginal que a arte desde sempre ocupou no pensamento antropológico, sugerindo que elas são a influência da conceção estética de arte e da metafísica que suportou o projeto das

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Recensões

Um jovem caçador de lixo na Mafalala, nas décadas de 1960 e 1970

Diogo Ramada Curto

Celso Mussane (1957-) é um pastor evangélico moçambicano. Licenciou-se na Suécia (1994) e tirou o curso superior de Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Londrina no Brasil (2018). Entre 2019 e 2020, publicou

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Recensões

Alberto Corsín Jiménez y Adolfo Estalella, Free Culture and the City: Hackers, Commoners, and Neighbors in Madrid, 1997-2017

Francisco Martínez

Este libro tiene tres dimensiones analíticas: primero, es una etnografía del movimiento de cultura libre en Madrid. Segundo, es un estudio histórico sobre la traducción de lo digital a lo urbano, favoreciendo una nueva manera de posicionarse en

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Notas Rápidas

Ter terra e ser da terra: dois sentidos complementares

Verena Sevá Nogueira

30.03.2025

This text proposes a brief reflection on the meaning of land in a peasant context. It discusses a process of socio-territorial changes experienced by rural families in the north-east of Brazil who were expropriated from their land as a result of a major public project, the project to transpose the waters of the River São Francisco. This process involves displacement in space and socio-territorial changes in close dialogue with affective and identity dimensions. In this sense, we understand that having land is more than just a material possession. Having land is also being or not being from the land, a source of identity and way of life for many rural families.
 
DOI: https://doi.org/10.25660/agora0030.pk57-aj47

Este texto propõe-se a uma breve reflexão sobre o sentido da terra num contexto camponês. Discorre sobre um processo de mudanças socioterritoriais vivenciadas por famílias rurais do nordeste brasileiro, expropriadas da terra em virtude de uma grande obra pública, o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Um processo que envolve deslocamentos no espaço e mudanças socio fundiárias em estreito diálogo com dimensões afetivas e identitárias. Nesse sentido, entendemos que ter terra é algo mais do que uma posse material. Ter terra é também ser ou não ser da terra, uma fonte de identidade e modo de viver para muitas famílias rurais.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0030.pk57-aj47

Este texto propone una breve reflexión sobre el significado de la tierra en un contexto campesino. Discute un proceso de cambios socioterritoriales experimentados por familias rurales del nordeste de Brasil que fueron expropiadas de sus tierras como resultado de un gran proyecto público, el proyecto de transposición de las aguas del río São Francisco. Este proceso implica desplazamientos en el espacio y cambios socioterritoriales en estrecho diálogo con dimensiones afectivas e identitarias. En este sentido, entendemos que tener tierra es algo más que una posesión material. Tener tierra es también ser o no ser de la tierra, fuente de identidad y forma de vida para muchas familias rurales.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0030.pk57-aj47
Ce texte propose une brève réflexion sur la signification de la terre dans un contexte paysan. Il traite d'un processus de changements socio-territoriaux vécus par des familles rurales du nord-est du Brésil qui ont été expropriées de leurs terres à la suite d'un grand projet public, le projet de transposition des eaux du fleuve São Francisco. Ce processus implique des déplacements dans l'espace et des changements socio-territoriaux en dialogue étroit avec les dimensions affectives et identitaires. En ce sens, nous comprenons que posséder une terre est plus qu'une simple possession matérielle. Avoir de la terre, c'est aussi être ou ne pas être de la terre, une source d'identité et un mode de vie pour de nombreuses familles rurales.

DOI: https://doi.org/10.25660/agora0030.pk57-aj47
Esta secção tem um perfil semelhante ao de um blogue, que pode incluir entradas independentes e originais, mas também breves reflexões de autores de textos publicados na revista, oferecendo uma versão mais "popular", em formato de blogue, do respetivo artigo.
Ao longo da história o acesso e permanência na terra tem se mostrado uma das preocupações centrais aos seres humanos. Numa terra - ou em várias - moramos, trabalhamos, reproduzimo-nos, afeiçoamo-nos, sentimo-nos parte e nos identificamos. Entretanto, as relações entre as gentes e a terra resultam, muitas vezes, de processos socioterritoriais complexos e heterogêneos.

Entre os anos de 2013 e 2019 realizei investigação junto a uma população de pequenos agricultores rurais expropriados da terra em virtude de uma grande obra pública[1] que desviou parte do leito do rio São Francisco para levar água a canais e açudes (grandes lagoas) construídos no Sertão nordestino brasileiro, região de clima semiárido, carente de recursos hídricos naturais, associada historicamente a condições socioespaciais negativas, como aridez do solo e pobreza; um lugar historicamente desassistido pelo poder público.

O recorte empírico da pesquisa abrangeu um grupo de 285 famílias de pequenos agricultores de São José de Piranhas, estado da Paraíba, forçadas a sair de suas casas e terras, onde viviam há gerações, porque nesses lugares seriam construídos canais de passagem de água, um grande açude e 4 vilas produtivas rurais para o reassentamento da população deslocada. Nesse grupo estão as famílias de Eduardo, Antônia e Pedro, que neste breve texto são tomados como casos emblemáticos para uma pequena reflexão sobre o sentido da terra em contextos camponeses.

Foto 1: Açude da Boa Vista, construído onde antes havia o Sítio mais povoado do município

Fonte: Nogueira, V.S. Pesquisa de campo, 2017.

Até ao início das obras, a família de Eduardo era proprietária de um pequeno lote de terra onde havia uma casa de morada e um pequeno quintal. Para o plantio do milho e do feijão, lavouras tradicionais de pequenos agricultores da região, a estratégia era o sistema de meia, que consistia em pedir terra a um vizinho, pagando-lhe no final da colheita com uma porcentagem da produção, normalmente uma quarta parte, e com a palhada para alimentação complementar do gado do dono da terra. Também a família de Pedro era proprietária de terra, mas em dimensão suficiente para caber a casa de morada, o curral para os animais e uma pequena lavoura. O terceiro exemplo é o da família de Antônia, moradores sem-terra, cuja estratégia de reprodução consistia em pedir moradia e trabalho em terra alheia, pagando por isso com trabalho e produção (Palmeira 1977; Garcia Jr 1990).

Em decorrência da transposição e da saída forçada, as famílias atingidas tiveram dois caminhos: a maioria, como os casos de Eduardo e Antônia, foi reassentada em uma das 4 Vilas Produtivas Rurais[2]; já a outra parcela, minoritária, recebeu apenas indenização pela desapropriação da terra e dos demais bens imóveis que possuía. Foi o que se passou com a família de Pedro, que não teve a opção de ir para uma das vilas, pois o valor monetário do seu conjunto de seus bens (terras, casas, cercas animais e demais benfeitorias) era superior ao permitido para ser beneficiária nesse programa de reassentamento. Com o valor da indenização, Pedro e a família compraram uma casa de morada no Distrito urbano da Boa Vista.

Um processo, portanto, que reflete mudanças de acesso à terra. As famílias de Eduardo e Pedro eram proprietárias de terra, enquanto a de Antônia era de moradores sem-terra. Hoje Eduardo e Antônia vivem na mesma rua de uma das vilas, onde têm casa de morada e terra de trabalho. Diferente resultou para Pedro, que embora tenha adquirido uma casa de morada, não possui mais terra para o trabalho agropastoril, necessitando para tanto de terras de terceiros sob o regime de meia, ou seja, pagando ao seu dono com parte da produção (Nogueira 2023).

Foto 2: rua e casas na área residencial de uma das vilas produtivas rurais.

Fonte: Nogueira, V.S. Pesquisa de campo, 2017.

A organização socioespacial também se transformou. Antes viviam em Sítios, categoria socioterritorial tradicional do Nordeste brasileiro, designativa não apenas de uma parcela de terra, mas de “território de parentesco”, conformado pelo entrelaçamento da terra com as pessoas aparentadas, a fauna, a flora, as histórias, e as memórias (Woortmann, 1995; Heredia, 1979). Dos Sítios foram para as vilas ou para a cidade, com novas paisagens, novos vizinhos, novas arquiteturas das casas e dos caminhos, assim como estranhas regras sociais estabelecidas por planificadores forâneos como, por exemplo a proibição da criação de porcos nos quintais das casas, e da queimada do mato antes do plantio, práticas tradicionais nos Sítios.

O deslocamento físico-espacial das famílias atingidas foi pequeno, não ultrapassando alguns poucos quilómetros; já as mudanças socioterritoriais foram enormes. Casas, caminhos, capelas, currais, campinhos de futebol, cemitérios e outros lugares do cotidiano foram destruídos ou submersos. Pessoas adoeceram de dor e tristeza e, no limite, vidas foram precocemente encerradas, especialmente dentre os mais idosos (Nogueira, 2019). Uma história repetida em muitos contextos, como na nova Aldeia da Luz, lugar e destino dos atingidos pela grande barragem de Alqueva, no Rio Guadiana, no sul de Portugal (Saraiva 2003).

À guisa de conclusão, nestas breves notas procurei delinear como processos de des-re-terriorialização (Haesbaert 2004) experienciados por famílias rurais pautam-se não apenas por deslocamentos físico-espaciais, mas também por  mudanças sócio fundiárias, e por dimensões afetivas e identitárias.

> Ter terra é algo mais do que uma pose material.

> Ter terra é também ser ou não ser da terra.

> Ter terra é um capital material e simbólico que outorga uma posição na estrutura social comunitária.

> Ter terra nos ditos espaços rurais não é só um espaço de produção agroalimentar, é um espaço de vida onde a reprodução social e cultural acontece.

> Ter terra, não basta, mas é uma condição sine qua non da identidade em contextos de ruralidade.

> Mais além da visão urbano cêntrica e urbano normativa extrativista e depredadora, a terra é fonte de identidade e modo de viver para muitas famílias rurais.

Verena Sevá Nogueira


Verena Sevá Nogueira é doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil). Professora associada na Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG, Brasil). Pesquisadora colaboradora no Centro de Estudos Rurais (Unicamp). Tem experiência de pesquisa com campesinato, populações tradicionais, territorialidades, migrações e relações de gênero e geracional.
Referências bibliográficas

Saraiva, C. (2003). Aldeia da Luz: entre dois solstícios, a etnografia das continuidades e mudanças [The dam of alqueva and the village of luz: between two solsticies – the etnography of its continuities and changes]. Etnográfica , vol. 7(1), 105-130. http://doi.org/10.4000/etnografica.2876

Garcia Jr, A. (1990). O Sul: caminho do roçado. Estratégias de reprodução camponesa e transformação social. Marco Zero; Edunb. http:// https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/432

Haesbaert, R. (2004). O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. Bertrand Brasil.

Heredia, B. A. (1979). A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do nordeste do Brasil. Paz e Terra.

Nogueira, V. S. (2023). Formas de acesso à terra: uma reflexão sobre o processo de transição fundiária de um grupo de sitiantes atingido pelo projeto do rio São Francisco [Forms of access to land: a reflection on the land transition process of a group of farmers affected by the são Francisco river Project].  RURIS, vol.15(1), 227–251. http://doi.org/10.53000/rr.v15i1.18316

Nogueira, V. S. (2019). De sitiantes a moradores de vila: o projeto de integração do rio São Francisco com bacias hidrográficas do Nordeste brasileiro e as novas territorialidades [From sitiantes to villagers: the integration project of the São Francisco river with hydrographic basins of the Brazilian Northeast and the new territorialities]. Novos Cadernos NAEA, vol.22 (3), 97-120. http://dx.doi.org/10.5801/ncn.v22i3.7145

Palmeira, M. (1977). Casa e trabalho: nota sobre as relações sociais na plantation tradicional. Contraponto, Rio de Janeiro, Ano II, n. 2, 101-114.

Woortmann E. F. (1995). Herdeiros, parentes e compadres: colonos do Sul e sitiantes do Nordeste. Hucitec; Edunb.
[1] As obras do Projeto de Integração do rio São Francisco com Bacias Hidrográficas da região nordeste do Brasil [https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/seguranca-hidrica/projeto-sao-francisco] abrangeram 390 municípios de 4 estados federativos da região nordeste do Brasil: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, numa extensão de 477 quilómetros. [2] Ao longo dos 4 estados atingidos pelas obras do projeto do rio São Francisco foram construídas 18 Vilas Produtivas Rurais e reassentadas 848 famílias [https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/seguranca-hidrica/projeto-sao-francisco/mudanca-em-sua-vida/vilas-produtivas-rurais].

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