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Vol. 29 (2)
2025



Articles

Quebra-cabeças de narciso: a etnografia defronta-se com o delírio e se “hospeda” no Hotel da Loucura – Rio de Janeiro

Luciano von der Goltz Vianna

O presente artigo parte de um debate que visa compreender como os regimes disciplinares da antropologia conduzem o pesquisador a seguir um protocolo específico de questões e interesses em suas pesquisas. O objetivo, aqui, é discutir sobre os

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Articles

Por trás das crianças, dos objetos e dos cuises: agência e pesquisa em um bairro periurbano de Córdoba (Argentina)

Rocío Fatyass

Neste artigo retomo ideias emergentes de um projeto de pesquisa com crianças que acontece em um bairro periurbano da cidade de Villa Nueva (Córdoba, Argentina) e discuto a agência das crianças e sua participação na pesquisa em ciências

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Articles

A propósito da construção de conhecimentos sobre o ecossistema amazônico a partir de uma instituição científica brasileira

Aline Moreira Magalhães

A produção de um saber moderno acerca da flora e fauna amazônicas incorpora, desde as expedições naturalistas do século XVIII, conhecedores e conhecedoras por vivência daquele ecossistema. No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

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Interdisciplinarités

Viver numa casa do Siza: a experiência da arquitetura de autor na Malagueira, Évora

Juliana Pereira, Ana Catarina Costa, André Carmo, Eduardo Ascensão

Este artigo retoma os estudos sobre a casa e o habitar desenvolvidos pela Antropologia e pela Arquitetura portuguesas, acrescentando-lhes um olhar vindo das geografias da arquitetura, para de seguida explorar a forma como os habitantes de edifícios

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Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Introduction: Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses

Annabelle Dias Félix, Maria João Leote de Carvalho, Catarina Frois

In the global political landscape, as far-right parties gain prominence, populist rhetoric advocating for harsher justice and security policies is becoming increasingly prevalent. Proponents of this rhetoric base their discourse on “alarming”

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Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Privatizing urban security: control, hospitality and suspicion in the Brazilian shopping

Susana Durão, Paola Argentin

In this article we argue that hospitality security – a modality that confuses control and care – operates through the actions of security guards in the creation of what we call pre-cases. From a dense ethnography accompanying these workers in a

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Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

“Abuso policial, todos os dias o enfrentamos”: notas etnográficas sobre violência policial racista

Pedro Varela

A violência policial racista é uma das facetas mais brutais do racismo na nossa sociedade, refletindo estruturas de poder e opressão que marginalizam setores da sociedade. Este artigo sublinha a importância de compreender essa realidade,

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Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Marginality, security, surveillance, crime, imprisonment: reflections on an intellectual and methodological trajectory

Catarina Frois

This article engages with contemporary anthropological and ethnographic methodological debates by reflecting on the challenges of conducting research in contexts related with marginality, deviance, surveillance, and imprisonment. It examines the

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Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Navigating the labyrinth: qualitative research in the securitized border regions of North Africa

Lydia Letsch

Qualitative researchers face unique challenges in the dynamic domain of border regions, particularly when venturing into highly securitized areas with a constant military presence, advanced surveillance, and restricted access zones. This article

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Memoire

Uma vida, muitas vidas: entrevista com Victor Bandeira, etnógrafo e viajante

Rita Tomé, João Leal

Falecido recentemente, Victor Bandeira (1931-2024) desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da museologia etnográfica em Portugal. Foi graças às suas expedições a África (1960-1961, 1966, 1967), ao Brasil (1964-1965) e à Indonésia

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Prix Lévi-Strauss

Da “nota de pesar” à “injusta agressão”: notícias sobre morte escritas pela PMSC

Jo P. Klinkerfus

Este trabalho é uma versão reduzida e sintetizada da etnografia realizada do PMSC Notícia, a plataforma de notícias da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). A partir das notícias sobre a morte, o morrer e os mortos publicadas no site no

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Vol. 29 (1)
2025



Articles

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

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Articles

“Preventing them from being adrift”: challenges for professional practice in the Argentinean mental health system for children and adolescents

Axel Levin

This ethnographic article addresses the difficulties, practices, and strategies of the professionals of the only Argentine hospital fully specialized in the treatment of mental health problems of children and adolescents. More specifically, it

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Articles

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

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Articles

To migrate and to belong: intimacy, ecclesiastical absence, and playful competition in the Aymara Anata-Carnival of Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

The article analyzes the Anata-Carnival festivity celebrated in the Andean town of Chiapa in the Tarapacá Region, Great North of Chile. I suggest that this celebration constitutes one of the main events that promote the reproduction of feelings of

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Articles

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

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Memoire

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

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Dossier « Genre et soins dans l'expérience transnationale cap-verdienne »

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

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Dossier « Genre et soins dans l'expérience transnationale cap-verdienne »

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

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Dossier « Genre et soins dans l'expérience transnationale cap-verdienne »

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

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Dossier « Genre et soins dans l'expérience transnationale cap-verdienne »

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

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Dossier « Genre et soins dans l'expérience transnationale cap-verdienne »

The difficult balance between work and life: care arrangements in three generations of Cape Verdean migrants

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

The reconciliation of the personal, work and family spheres of migrants is an emerging issue in migration studies, with concepts such as the transnational family and global care chains. In this contribution we analyse the strategies deployed by

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Débat

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

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Débat

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

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Débat

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

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Débat

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

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Note sur la couverture

Note sur la couverture

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

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(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

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Anthropologie urgente

Régression environnementale et terres des populations traditionnelles au Brésil

Deborah Bronz

07.08.2025

The article analyses the effects of Bill 2159/2021, known as the "Devastation Bill", which dismantles the environmental licensing process in Brazil, deepening the vulnerability of traditional peoples and communities in the face of expanding extractive, agribusiness and infrastructure projects. It demonstrates how the bill represents an institutional setback by weakening mechanisms of control, participation and consultation, especially in traditional territories. The author links the dismantling of socio-environmental policies to the advance of neo-extractivism, denouncing authoritarian practices and the capture of the state by private interests. Anthropology is called upon to take a critical and engaged stance in defence of rights and environmental democracy.

O artigo analisa os efeitos do Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como o PL da Devastação, que descaracteriza o licenciamento ambiental no Brasil, aprofundando a vulnerabilidade de povos e comunidades tradicionais frente à expansão de empreendimentos extrativistas, agroindustriais e de infraestrutura. Demonstra como o PL representa um retrocesso institucional ao esvaziar mecanismos de controle, participação e consulta, especialmente nas terras tradicionalmente ocupadas. A autora articula o desmonte das políticas socioambientais ao avanço do neoextrativismo, denunciando práticas autoritárias e a captura do Estado por interesses privados. A Antropologia é convocada a uma atuação crítica e comprometida com a defesa dos direitos e da democracia ambiental.

El artículo analiza los efectos del Proyecto de Ley 2159/2021, conocido como el “PL de la Devastación”, que desvirtúa el licenciamiento ambiental en Brasil, profundizando la vulnerabilidad de pueblos y comunidades tradicionales frente a la expansión de emprendimientos extractivos, agroindustriales e infraestructurales. Se demuestra cómo este proyecto representa un retroceso institucional al vaciar los mecanismos de control, participación y consulta, especialmente en tierras de ocupación tradicional. La autora articula el desmantelamiento de las políticas socioambientales con el avance del neoextractivismo, denunciando prácticas autoritarias y la captura del Estado por intereses privados. La Antropología es convocada a una actuación crítica y comprometida con la defensa de los derechos y de la democracia ambiental.
L’article analyse les effets du Projet de loi 2159/2021, connu sous le nom de « projet de loi de la Dévastation », qui remet en cause le processus d’autorisation environnementale au Brésil, accentuant la vulnérabilité des peuples et communautés traditionnels face à l’expansion des projets extractifs, agro-industriels et d’infrastructure. Il montre en quoi ce projet de loi constitue un recul institutionnel, en vidant de leur substance les mécanismes de contrôle, de participation et de consultation, en particulier sur les terres d’occupation traditionnelle. L’autrice relie le démantèlement des politiques socio-environnementales à l’avancée du néo-extractivisme, dénonçant des pratiques autoritaires et la capture de l’État par des intérêts privés. L’anthropologie est ici appelée à un engagement critique en faveur des droits et de la démocratie environnementale.

La section Anthropologie Urgente est composée d’articles sous forme de courts essais portant sur des sujets clés relevant à la fois d’une anthropologie de l’urgence et d’une anthropologie des affects, mais aussi sur ceux qui marquent les agendas publics ou explorent des réalités et des phénomènes invisibilisés.





Figure: Photos Publiques. https://www.fotospublicas.com/acervo/cotidiano/tragedia-na-cidade-de-brumadinho-em-minas-gerais-bombeiros-trabalham-na-localizacao-de-vitimas-3113246856. Consulté le 25 juillet 2025.

Em 17 de julho de 2025, o Brasil amanheceu um lugar mais perigoso para se viver. Povos e comunidades tradicionais, quilombolas, povos indígenas e comunidades rurais, habitantes dos territórios situados nas fronteiras de expansão dos grandes empreendimentos ficaram ainda mais vulneráveis.

Na calada da noite, a Câmara dos Deputados brasileira aprovou o texto-base do Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, alterando as regras do licenciamento ambiental no país. O licenciamento é um dispositivo da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/1981) voltado à avaliação e ao controle de impactos de empreendimentos com potencial poluidor, que protege ecossistemas frágeis e resguarda os direitos das populações atingidas. Ele opera como uma política de controle ambiental e mediação dos conflitos nos territórios, ao estabelecer a exigência de estudos de impacto ambiental, consultas públicas e condicionantes socioambientais.

Nas últimas décadas, entretanto, a eficácia e até mesmo a legitimidade do licenciamento vêm sendo questionadas por setores empresariais e políticos que propõem a criação de um novo marco legal, sob os argumentos de “desburocratização”, “agilidade” e “segurança jurídica”. Esses termos, embora amplamente mobilizados no discurso público, funcionam como eufemismos para justificar a flexibilização de normas, a eliminação de salvaguardas e a redução do papel do Estado no controle ambiental. Sob esse discurso, os dispositivos de proteção e planejamento se transformam em obstáculos a serem superados.

Esse movimento não é isolado, pelo contrário, insere-se em uma tendência mais ampla que atravessa diversos países da América Latina para a intensificação das estratégias de reprimarização da economia e para o fortalecimento de cadeias produtivas voltadas à exportação de commodities, o chamado “consenso das commodities” (Svampa 2019). Sob a promessa do “desenvolvimento”, tais empreendimentos operam frequentemente por meio de arranjos institucionais que obscurecem as fronteiras entre poderes estatais e econômicos (Bronz 2013) e atualizam formas de “apropriação por expropriação” dos territórios (Harvey 2005). O uso sistemático de medidas autoritárias associado à descontinuidade ou ao desmantelamento das políticas resulta na violação de direitos, como apontam diversas análises recentes sobre os vínculos entre neoextrativismo e autoritarismo (Zhouri et al. 2016; Bronz et al. 2020; Acselrad et al. 2021).

Impulsionado pela alta dos preços internacionais das commodities, um novo arranjo dos setores agropecuário, minero-metalúrgico e energético avança sobre os territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais. A emergência das chamadas “estratégias de exportação agromineral” (Almeida et al. 2019) expressa a convergência desses setores na adoção de práticas intensivas de apropriação territorial, articuladas a interesses transnacionais e respaldadas por políticas governamentais.

O avanço sobre os territórios caminha lado a lado com o processo de desregulação ou desmonte das normas socioambientais (Bronz et al. 2020; Anaya et al. 2025), impulsionado por frentes parlamentares diretamente vinculadas aos interesses desses setores econômicos. A atuação dessas frentes tem sido decisiva para a construção de consensos no interior do Congresso Nacional, consolidando um lobby que opera simultaneamente nos poderes legislativo e executivo (Pompeia 2021).

Casos recentes ocorridos no Brasil nos fazem testemunhar os riscos concretos que acompanham o enfraquecimento das normas ambientais. A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará, no coração da Amazônia, tornou-se um dos símbolos do autoritarismo no planejamento de grandes obras. Implementada a despeito de uma série de advertências técnicas e jurídicas, Belo Monte causou a remoção forçada de milhares de pessoas, incluindo povos indígenas e ribeirinhos, e impôs transformações drásticas em seus modos de vida. Estudos mostram como os processos de reassentamento e compensação operaram por meio de pactos frágeis e políticas de silenciamento, muitas vezes desconsiderando os vínculos territoriais, os modos de vida, as práticas culturais e os conhecimentos locais (Magalhães 2017; Fleury 2013; Oliveira Filho e Cohn 2014; Lacerda 2021). Ao final, Belo Monte nunca atingiu o desempenho energético prometido, e deixou um rastro de impactos ambientais irreversíveis no rio Xingu e sua bacia, produzindo efeitos igualmente danosos aos habitantes de suas águas.

As tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), ambas em Minas Gerais, aprofundam ainda mais esse quadro. Em Mariana, o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Samarco (joint venture da Vale e BHP Billiton) deixou 19 mortos e milhares de atingidos em 49 municípios, destruiu comunidades inteiras e provocou o maior desastre ambiental do país, com efeitos sentidos ao longo de mais de 600km do rio Doce até o oceano Atlântico. Quatro anos depois, em Brumadinho, o colapso da barragem da empresa Vale resultou na morte de 272 pessoas e na contaminação do rio Paraopeba. Em ambos os casos, auditorias e estudos posteriores mostraram que havia alertas técnicos ignorados pelas empresas e pelos órgãos reguladores. Pesquisadores vêm documentando como a racionalidade empresarial da “gestão do risco” e os dispositivos de licenciamento foram utilizados para legitimar projetos mesmo diante da ausência de mecanismos efetivos de controle sobre os danos ambientais das barragens (Zhouri et al. 2018, 2016). Esses estudos demonstram ainda os efeitos prolongados dos desastres sobre os atingidos, que enfrentam não apenas perdas materiais, mas desestruturação de vínculos comunitários, deslocamentos forçados e uma disputa constante pelo reconhecimento e reparação dos danos.

Apesar dos desastres e dos inúmeros conflitos que despontam nos territórios de expansão das infraestruturas, indústrias e agriculturas, a nova lei do licenciamento ambiental enfraquece os mecanismos públicos de prevenção e fiscalização. Ao desresponsabilizar o Estado e transferir o controle para os próprios empreendedores, institucionaliza práticas que já operam à margem da legalidade: a captura de decisões públicas por interesses privados, o esvaziamento e a “encenação da participação social”, o uso de estratégias empresariais de cooptação (Bronz 2016) e o “descaso planejado” como política pública (Parry-Scott 2012). Pesquisadores brasileiros vêm demonstrando amplamente a ineficácia desses modelos, que tendem a capturar os mecanismos de gestão social para fins de controle, domesticação, pacificação e legitimação dos empreendimentos (Bronz 2013; Zhouri 2020; Santos et al. 2017; Pinto 2019; Oliveira e Zucarelli 2020).

Se chegar a ser aplicado nos moldes propostos, o PL da Devastação criaria as condições ideais para a repetição destes desastres em diferentes escalas e biomas, com efeitos devastadores para a vida humana, a biodiversidade e a democracia ambiental no Brasil. Na nova lei, setores inteiros como agricultura, pecuária e silvicultura serão dispensados do licenciamento, e obras com grande potencial de impacto — como a repavimentação de rodovias na Amazônia, caso da BR-163, eixo estratégico do agronegócio — poderão ser executadas sem qualquer avaliação prévia. A proposta enfraquece os princípios constitucionais da precaução e da prevenção, esvazia o direito à informação e à participação popular, e ignora o dever do Estado de proteger o meio ambiente.

Os efeitos da nova legislação são particularmente graves para povos e comunidades tradicionais, que historicamente enfrentam condições de maior vulnerabilidade social, ambiental e jurídica. Ao restringir a realização de audiências públicas, encurtar prazos de consulta e esvaziar o direito à consulta prévia, livre e informada assegurado pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição Federal, o projeto de lei amplia ainda mais a exclusão dessas comunidades dos processos decisórios que incidem diretamente sobre seus territórios e modos de vida. Tal situação se agrava no caso daqueles grupos que ainda não possuem seus territórios formalmente reconhecidos ou titulados.

No Brasil, quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais vêm sendo reconhecidos como sujeitos de direitos diferenciados justamente por seus vínculos específicos com os seus territórios e por sua maior exposição aos impactos de grandes projetos de desenvolvimento. Essa condição foi incorporada às normas vigentes sobre licenciamento ambiental, conferindo a essas coletividades um tratamento jurídico próprio. O entendimento é de que não apenas os efeitos são mais intensos nesses contextos, mas que eles incidem de modo particular sobre os modos de vida e as territorialidades tradicionais. Estudos antropológicos, desde os trabalhos pioneiros de Sigaud (1986), vêm demonstrando que os “efeitos sociais” não são eventos replicáveis, mas processos situados, cumulativos e historicamente amparados, que afetam laços sociais, circuitos econômicos, vínculos simbólicos e a própria manutenção dos modos de vida.

A antropologia brasileira tem contribuído para esse debate, tanto por meio de pesquisas sobre os efeitos sociais de grandes empreendimentos quanto por sua atuação política e institucional. O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) tem sido uma das principais instâncias de mobilização coletiva da disciplina frente ao avanço das violações de direitos socioambientais. Desde sua criação, o comitê tem atuado na produção de pareceres, notas técnicas (ABA 2020) e na organização de atividades promovendo a interlocução entre instituições acadêmicas, organizações civis e órgãos estatais, e incidindo nos debates públicos.[1]

O conceito de “terras tradicionalmente ocupadas”, desenvolvido pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida (2004), e os debates jurídicos e antropológicos em torno das categorias de “povos e comunidades tradicionais” ajudam a compreender o que está em jogo quando se fala em direitos territoriais desses grupos. Estes territórios não se limitam a espaços geográficos, mas são construções sociais e históricas atravessadas por significados, formas de pertencimento, organizações coletivas e estratégias de reprodução cultural. Referem-se a modos de apropriação, organização e uso do espaço que se contrapõem às concepções de terra como mercadoria ou como recurso natural à disposição da exploração econômica, ou à ideia de território como mera expressão do controle político institucional (O’Dwyer 2013).

Esses territórios são politicamente controlados por associações, sindicatos, movimentos e outros arranjos autônomos que nem sempre se encaixam nos modelos institucionais reconhecidos pela burocracia estatal. Por isso, os grupos que os constroem e ocupam estão mais expostos a formas de invisibilização promovidas por marcos legais que ignoram suas especificidades. Ao mesmo tempo, essas formas de pertencimento se articulam à construção de fronteiras étnicas, sociais e espaciais e à relação com o Estado, sendo expressões de identidades sociais e políticas formuladas em diálogo com o arcabouço constitucional e jurídico, tanto nacional quanto internacional, como forma de garantir o reconhecimento e a continuidade de seus modos de fazer, criar e viver (O’Dwyer 2013).

Diante disso, o PL da Devastação representa não apenas uma ameaça aos direitos conquistados, mas uma política deliberada de silenciamento no âmbito do licenciamento ambiental. Ao impor um regime de exceção regulatória sobre territórios historicamente marcados por lutas de reconhecimento, o projeto cala os princípios constitucionais da prevenção, da precaução, do desenvolvimento sustentável e da participação social.

Para a Antropologia, em tempos de crises climáticas e políticas, assumir uma posição crítica e engajada, mais do que o resultado de uma reflexão acadêmica, é um compromisso ético com os futuros possíveis.

Deborah Bronz (UFF - Brasil)

Deborah Bronz é professora do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense - UFF. Vice-coordenadora do Grupo de Estudos Amazônicos e Ambientais – GEAM/UFF e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento - LACED/MN/UFRJ.

Email: deborahbronz@id.uff.br



Bibliographie

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