English

Português

Español

Français

Coloque el mensaje aquí

Revista

Sobre

Editorial Team

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Editorial Team

Artigos

Sections

Vol. 29 (2)
2025



Artigos

Quebra-cabeças de narciso: a etnografia defronta-se com o delírio e se “hospeda” no Hotel da Loucura – Rio de Janeiro

Luciano von der Goltz Vianna

O presente artigo parte de um debate que visa compreender como os regimes disciplinares da antropologia conduzem o pesquisador a seguir um protocolo específico de questões e interesses em suas pesquisas. O objetivo, aqui, é discutir sobre os

[+]


Artigos

Detrás de niñxs, objetos y cuises: agencia e investigación en un barrio periurbano de Córdoba (Argentina)

Rocío Fatyass

En este artículo retomo emergentes de un proyecto de investigación con niñxs que tiene lugar en un barrio periurbano de la ciudad de Villa Nueva (Córdoba, Argentina) y discuto sobre la agencia infantil y la participación de lxs niñxs en

[+]


Artigos

A propósito da construção de conhecimentos sobre o ecossistema amazônico a partir de uma instituição científica brasileira

Aline Moreira Magalhães

A produção de um saber moderno acerca da flora e fauna amazônicas incorpora, desde as expedições naturalistas do século XVIII, conhecedores e conhecedoras por vivência daquele ecossistema. No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

[+]


Interdisciplinariedad

Viver numa casa do Siza: a experiência da arquitetura de autor na Malagueira, Évora

Juliana Pereira, Ana Catarina Costa, André Carmo, Eduardo Ascensão

Este artigo retoma os estudos sobre a casa e o habitar desenvolvidos pela Antropologia e pela Arquitetura portuguesas, acrescentando-lhes um olhar vindo das geografias da arquitetura, para de seguida explorar a forma como os habitantes de edifícios

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Introduction: Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses

Annabelle Dias Félix, Maria João Leote de Carvalho, Catarina Frois

In the global political landscape, as far-right parties gain prominence, populist rhetoric advocating for harsher justice and security policies is becoming increasingly prevalent. Proponents of this rhetoric base their discourse on “alarming”

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Privatizing urban security: control, hospitality and suspicion in the Brazilian shopping

Susana Durão, Paola Argentin

In this article we argue that hospitality security – a modality that confuses control and care – operates through the actions of security guards in the creation of what we call pre-cases. From a dense ethnography accompanying these workers in a

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

“Abuso policial, todos os dias o enfrentamos”: notas etnográficas sobre violência policial racista

Pedro Varela

A violência policial racista é uma das facetas mais brutais do racismo na nossa sociedade, refletindo estruturas de poder e opressão que marginalizam setores da sociedade. Este artigo sublinha a importância de compreender essa realidade,

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Marginality, security, surveillance, crime, imprisonment: reflections on an intellectual and methodological trajectory

Catarina Frois

This article engages with contemporary anthropological and ethnographic methodological debates by reflecting on the challenges of conducting research in contexts related with marginality, deviance, surveillance, and imprisonment. It examines the

[+]


Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”

Navigating the labyrinth: qualitative research in the securitized border regions of North Africa

Lydia Letsch

Qualitative researchers face unique challenges in the dynamic domain of border regions, particularly when venturing into highly securitized areas with a constant military presence, advanced surveillance, and restricted access zones. This article

[+]


Memoria

Uma vida, muitas vidas: entrevista com Victor Bandeira, etnógrafo e viajante

Rita Tomé, João Leal

Falecido recentemente, Victor Bandeira (1931-2024) desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da museologia etnográfica em Portugal. Foi graças às suas expedições a África (1960-1961, 1966, 1967), ao Brasil (1964-1965) e à Indonésia

[+]


Premio Lévi-Strauss

Da “nota de pesar” à “injusta agressão”: notícias sobre morte escritas pela PMSC

Jo P. Klinkerfus

Este trabalho é uma versão reduzida e sintetizada da etnografia realizada do PMSC Notícia, a plataforma de notícias da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). A partir das notícias sobre a morte, o morrer e os mortos publicadas no site no

[+]

Vol. 29 (1)
2025



artigos

“Chega desta falsa guerra”: ecologias de valor, operários e ambientalistas na Itália do Sul

Antonio Maria Pusceddu

Este artigo mobiliza as ecologias de valor como um quadro concetual para dar conta dos conflitos, contradições e dilemas decorrentes da experiência da crise socioecológica contemporânea. Baseia-se num trabalho de campo etnográfico em Brindisi,

[+]


artigos

“Evitar que queden a la deriva”: desafíos de la práctica profesional en el sistema de salud mental argentino para niños/as y adolescentes

Axel Levin

Esta investigación etnográfica aborda las dificultades, prácticas, y estrategias de los/las profesionales del único hospital argentino especializado, íntegramente, en el tratamiento de problemáticas en salud mental de niños, niñas, y

[+]


artigos

Fazendo Crianças: uma iconografia das ibejadas pelos centros, lojas e fábricas do Rio de Janeiro, Brasil

Morena Freitas

As ibejadas são entidades infantis que, junto aos caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, habitam o panteão da umbanda. Nos centros, essas entidades se apresentam em coloridas imagens, alegres pontos cantados e muitos doces que nos permitem

[+]


artigos

Migrar y seguir perteneciendo: intimidad, ausencia eclesiástica y competencia lúdica en la Anata-Carnaval aymara de Chiapa (Chile)

Pablo Mardones

El artículo analiza la fiesta de la Anata-Carnaval en el pueblo precordillerano Chiapa en la región de Tarapacá, Norte Grande de Chile. Se sugiere que esta celebración se constituye como evento principal de reproducción de sentidos de

[+]


artigos

Hauntology e nostalgia nas paisagens turísticas de Sarajevo

Marta Roriz

Partindo de desenvolvimentos na teoria etnográfica e antropológica para os estudos do turismo urbano, este ensaio oferece uma descrição das paisagens turísticas de Sarajevo pela perspetiva do turista-etnógrafo, detalhando como o tempo se

[+]


Memoria

David J. Webster em Moçambique: epistolário mínimo (1971-1979)

Lorenzo Macagno

O artigo comenta, contextualiza e transcreve o intercâmbio epistolar que mantiveram, entre 1971 e 1979, o antropólogo social David J. Webster (1945-1989) e o etnólogo e funcionário colonial português, António Rita-Ferreira (1922-2014).

[+]


Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»

Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana: introdução

Luzia Oca González, Fernando Barbosa Rodrigues and Iria Vázquez Silva

Neste dossiê sobre o género e os cuidados na comunidade transnacional cabo-verdiana, as leitoras e leitores encontrarão os resultados de diferentes etnografias feitas tanto em Cabo Verde como nos países de destino da sua diáspora no sul da

[+]


Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»

“Vizinhu ta trocadu pratu ku kada casa”… Cuidar para evitar a fome em Brianda, Ilha de Santiago de Cabo Verde

Fernando Barbosa Rodrigues

Partindo do terreno etnográfico – interior da ilha de Santiago de Cabo Verde – e com base na observação participante e em testemunhos das habitantes locais de Brianda, este artigo é uma contribuição para poder interpretar as estratégias

[+]


Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»

“Eu já aguentei muita gente nessa vida”: sobre cuidados, gênero e geração em famílias cabo-verdianas

Andréa Lobo and André Omisilê Justino

Este artigo reflete sobre a categoria cuidado quando atravessada pelas dinâmicas de gênero e geração na sociedade cabo-verdiana. O ato de cuidar é de fundamental importância para as dinâmicas familiares nesta sociedade que é marcada por

[+]


Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»

Cadeias globais de cuidados nas migrações cabo-verdianas: mulheres que ficam para outras poderem migrar

Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva

Este artigo toma como base o trabalho de campo realizado com mulheres de quatro gerações, pertencentes a cinco famílias residentes na localidade de Burela (Galiza) e aos seus grupos domésticos originários da ilha de Santiago. Apresentamos três

[+]


Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»

El difícil equilibrio entre trabajo y vida: arreglos para el cuidado de tres generaciones de migrantes caboverdianas

Keina Espiñeira González, Belén Fernández-Suárez and Antía Pérez-Caramés

La conciliación de las esferas personal, laboral y familiar de las personas migrantes es un tema emergente en los estudios migratorios de mano de conceptos como el de familia transnacional o las cadenas globales de cuidados. En esta contribución

[+]


Debate

Estrangeiros universais: a “viragem ontológica” considerada de uma perspetiva fenomenológica

Filipe Verde

Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por

[+]


Debate

Universos estrangeiros: ainda a polêmica virada ontológica na antropologia

Rogério Brittes W. Pires

O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O

[+]


Debate

Resposta a Rogério Pires

Filipe Verde

Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é

[+]


Debate

Da ontologia da fenomenologia na antropologia: ensaio de resposta

Rogério Brittes W. Pires

Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em

[+]

Nota sobre la cubierta

Nota sobre la cubierta

Pedro Calapez

© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro

[+]

Revista

Sobre

Editorial Team

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Editorial Team

Artigos

Sections

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Revista

Sobre

Editorial Team

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Editorial Team

Artigos

Sections

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Notas Rápidas

El valor de la confesión y el ejercicio de la justicia

Catarina Frois

06.12.2023

In this note, I discuss the intricacies of the different truths that arise from the empirical material constituted by crime authors' narratives in situations of deprivation of liberty and their analyses of the proven facts in the judicial judgments that support their conviction.


DOI:  https://doi.org/10.25660/agora0009.hvcy-ca43

Nesta peça discuto o intrincado das diferentes verdades que resulta do material empírico constituído pelas narrativas de autores de crime em situação de privação de liberdade e as suas análises sobre os factos provados nos acórdãos judiciais que sustentam a sua condenação.


DOI:  https://doi.org/10.25660/agora0009.hvcy-ca43

 

En este artículo, discuto las complejidades de las diferentes verdades que surgen del material empírico constituido por las narrativas de autores de crímenes en situaciones de privación de libertad y sus análisis de los hechos probados en las sentencias judiciales que respaldan su condena. 


DOI:  https://doi.org/10.25660/agora0009.hvcy-ca43
Dans cette pièce, je discute des complexités des différentes vérités qui découlent du matériau empirique constitué par les récits d'auteurs de crimes en situation de privation de liberté et de leurs analyses des faits prouvés dans les arrêts judiciaires étayant leur condamnation. 


DOI:  https://doi.org/10.25660/agora0009.hvcy-ca43
Esta sección tiene un perfil similar al de un blog, que puede incluir entradas independientes y originales, pero también breves reflexiones de autores de textos publicados en la revista, ofreciendo una versión más "popular", en formato blog, del artículo respectivo.

En este artículo, discuto las complejidades de las diferentes verdades que surgen del material empírico constituido por las narrativas de autores de crímenes en situaciones de privación de libertad y sus análisis de los hechos probados en las sentencias judiciales que respaldan su condena. Al hacerlo, observamos la reconstrucción de una verdad que niega u valida la propia existencia del crimen, rechazando o aceptando consecuentemente la legitimidad de la pena de prisión.



Em Mal-fazer, Dizer Verdadeiro, Michel Foucault (2020 [1981])[1] analisa a importância da confissão do crime como prova última da verdade dos factos que legitimam o processo judicial e justificam a condenação. O que Foucault procura discutir é o processo histórico através do qual se mudou de paradigma relativamente à confissão. Nos tempos modernos não cabe à justiça divina (Igreja) a sua punição ou redenção e, sendo um sujeito portador de razão, também já não é a Psiquiatria (afastando-se a loucura/insanidade da pessoa) que deve ter a última palavra relativamente à avaliação das suas ações.

O apuramento da verdade e a admissão da intenção da prática de crime cabe, portanto, ao conjunto de intervenientes do aparelho judicial e penitenciário. Ora, que legitimidade e validade têm este julgamento, na perspectiva daqueles que são condenados?

Nesta peça discuto o intrincado das diferentes verdades que resulta do material empírico constituído pelas narrativas de autores de crime em situação de privação de liberdade e as suas análises sobre os factos provados nos acórdãos judiciais que sustentam a sua condenação. Ao fazê-lo, observamos a reconstrução de uma verdade que ora nega, ora valida a própria existência de crime, consequentemente rejeitando ou aceitando a legitimidade da pena de prisão.

Esta reflexão tem por base um trabalho empírico intensivo levado a cabo (2015-2019)[2] em 12 prisões portuguesas, masculinas e femininas. Os dados que aqui discuto emergiram de conversas numa prisão masculina no litoral centro de Portugal, à época com 120 reclusos. De entre as 30 entrevistas conduzidas com reclusos condenados por diferentes tipos de crime, a maioria relatou ter acusações de situações de violência doméstica, mesmo quando esta não foi o crime principal pelo qual foram condenados. Assim, isso acabou por ser um tema transversal em todas as conversas, ao qual outras circunstâncias não eram indiferentes.

Numa das conversas sobre violência doméstica, um dos reclusos claramente exaltado afirmou: "Doutora, a violência doméstica é o crime da moda agora! Hoje em dia, qualquer situação, qualquer discussão é imediatamente considerada violência doméstica! Todos os casais discutem, isto é um exagero! A Doutora, não me diga que nunca levou uma estalada?"

Esses homens achavam incompreensível a classificação legal da violência doméstica, tanto porque a viam como desajustada aos factos - a "discussão", a "briga" entre um casal - quanto pela punição aplicada, que consideravam excessiva. Também alegavam que, se houvesse algum arrependimento, deveria ser por parte da mulher - esposa, namorada, companheira, atual ou passada. Violência não seria a palavra que eles usariam para descrever as suas ações. Insultar, esbofetear, empurrar, não eram ações violentas, mas sim “reações”, compreensíveis e até esperadas numa situação de desentendimento. Um soco, um pontapé, agressão com objetos poderiam ser classificados como um ato violento, mas ainda assim era importante contextualizar e, acima de tudo, compreender a razão para ter acontecido, a motivação: “ter bebido um pouco a mais”, cansaço do trabalho, ciúmes, tarefas domésticas não cumpridas.

Homens condenados por violência doméstica, aqueles para quem a violência infligida às suas parceiras foi considerada durante o julgamento para avaliar a sua conduta passada, expressaram profunda incredulidade perante os juízos de valor à sua conduta. Não se reconheciam nem aceitavam ser considerados indivíduos violentos. Pelo contrário, viam-se como homens de valor, não "bandidos como outros que aqui estão ". A sua identidade era definida pelas suas ações na esfera pública, ou seja, fora de casa: trabalhadores honestos, cidadãos responsáveis que pagam impostos e participam ativamente na comunidade. Eram homens de família, maridos, pais, indivíduos responsáveis.

Esta incredulidade não pode, porém, ser descontextualizada. Em Portugal, as leis relativas à violência doméstica sofreram grandes transformações nos últimos 20 anos, incluindo agora diferentes categorias, como a violência entre cônjuges, ascendentes, descendentes e tipificando novos actos[3]. Neste sentido, a lei evoluiu, as práticas mantêm-se – veja-se a título de exemplo o número de femícidios[4], que se vem mantendo constante, independentemente do ano ou da década que estejamos a analisar.

Embora as versões dos reclusos sobre os eventos não coincidissem com os factos descritos nas decisões judiciais que tive oportunidade de consultar, os seus relatos descrevem a sua perceção dos eventos. Para entender a complexidade da argumentação a que os reclusos recorrem quando questionados sobre a violência que exercem sobre as mulheres, é necessário compreender que na dinâmica conjugal e interpessoal a violência sempre aconteceu, isto é, faz parte e é parte da relação. Um dos homens com quem conversei, preso por violência doméstica disse-me: “Eu estou aqui porque quero. Fui condenado a pagar uma multa de 500€ à APAV [Associação Portuguesa de Apoio à Vítima] e assim não vinha preso. Era o que faltava, não paguei, por isso aqui estou.”

Voltemos ao início e à leitura de Michel Foucault. Para o autor, a confissão torna-se um elemento que não tem como mera finalidade provar os factos cometidos, que nalguns casos pode nem ser necessária. Mas é, isso sim, o elemento decisivo que justifica e sanciona todo o processo, a peça última no xadrez da justiça. Quem comete um ato tipificado como crime deve assumi-lo perante juízes e magistrados: ‘Eu, confessando o meu crime, aceito a legitimidade da justiça para me julgar e reconheço a legitimidade e merecimento da consequente punição.’ Sem confissão, diz Foucault, a legitimidade do tribunal fica em causa, porque permite que a dúvida permaneça algures, mesmo que aos olhos da lei seja infundada. Mais ainda: é o papel do juiz e do próprio aparato jurídico-penitenciário que não afirma os seus poderes soberanos, a saber, os de julgar e punir.

No caso que aqui nos ocupou, o facto de o perpetrador de crime de violência doméstica negar a prática de crime, porque em seu entender, esse ato não é passível de ser classificado como tal, torna inválida a função e razão de ser da pena de prisão?


Catarina Frois (Departamento de Antropologia – ISCTE,  Investigadora Sénior – Centro em Rede de Investigação em Antropologia)
Img: João Mineiro


Catarina Frois é Professora Auxiliar com Agregação no Departamento de Antropologia do ISCTE. O seu trabalho centra-se no estudo da marginalidade, do crime e da segurança numa perspectiva interseccional em torno de justiça e direitos humanos.
catarina.frois@iscte-iul.pt


[1] Foucault, Michel. 2020 [1981]. Malfazer, Dizer Verdadeiro. São Paulo: Martins Fontes. [2] Frois, Catarina. 2020. Prisões. Lisboa: Francisco Manuel dos Santos; Frois, Catarina e Afonso Bento. 2019. “Incarceration as Violence: Inflicting Pain in Portuguese Prisons”. Revista Crítica de Ciências Sociais 120: 117-136; Frois, Catarina. 2017. Female Imprisonment. An Ethnography of Everyday Life in Confinement. Londres: Palgrave Macmillan. [3] Veja-se https://www.parlamento.pt/Legislacao/paginas/legislacao_areaviolenciadomestica.aspx [4] Relatório Preliminar de 2023 do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA-UMAR)

< Vuelve

Revista

Sobre

Editorial Team

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Editorial Team

Artigos

Sections

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica

Revista

Sobre

Editorial Team

Autores

Submissão de Artigos

Números

Agora

Sobre

Editorial Team

Artigos

Sections

Política de privacidade

Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Edifício 4 - Iscte_Conhecimento e Inovação, Sala B1.130 
Av. Forças Armadas, 40 1649-026 Lisboa, Portugal

(+351) 210 464 057
etnografica@cria.org.pt

Financiado pela FCT, I. P. (UIDB/04038/2020 e UIDP/04038/2020)

© 2025 Revista Etnográfica