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En este artículo retomo emergentes de un proyecto de investigación con niñxs que tiene lugar en un barrio periurbano de la ciudad de Villa Nueva (Córdoba, Argentina) y discuto sobre la agencia infantil y la participación de lxs niñxs en
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Aline Moreira Magalhães
A produção de um saber moderno acerca da flora e fauna amazônicas incorpora, desde as expedições naturalistas do século XVIII, conhecedores e conhecedoras por vivência daquele ecossistema. No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
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Juliana Pereira, Ana Catarina Costa, André Carmo, Eduardo Ascensão
Este artigo retoma os estudos sobre a casa e o habitar desenvolvidos pela Antropologia e pela Arquitetura portuguesas, acrescentando-lhes um olhar vindo das geografias da arquitetura, para de seguida explorar a forma como os habitantes de edifícios
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In the global political landscape, as far-right parties gain prominence, populist rhetoric advocating for harsher justice and security policies is becoming increasingly prevalent. Proponents of this rhetoric base their discourse on “alarming”
[+]Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”
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[+]Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”
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A violência policial racista é uma das facetas mais brutais do racismo na nossa sociedade, refletindo estruturas de poder e opressão que marginalizam setores da sociedade. Este artigo sublinha a importância de compreender essa realidade,
[+]Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”
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[+]Dossiê “Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses”
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Falecido recentemente, Victor Bandeira (1931-2024) desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da museologia etnográfica em Portugal. Foi graças às suas expedições a África (1960-1961, 1966, 1967), ao Brasil (1964-1965) e à Indonésia
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[+]Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»
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[+]Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»
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[+]Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»
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[+]Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»
Luzia Oca González and Iria Vázquez Silva
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[+]Dossier «Género y cuidados en la experiencia transnacional caboverdiana»
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La conciliación de las esferas personal, laboral y familiar de las personas migrantes es un tema emergente en los estudios migratorios de mano de conceptos como el de familia transnacional o las cadenas globales de cuidados. En esta contribución
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Este artigo questiona a consistência, razoabilidade e fecundidade das propostas metodológicas e conceção de conhecimento antropológico da “viragem ontológica” em antropologia. Tomando como ponto de partida o livro-manifesto produzido por
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O artigo “Estrangeiros universais”, de Filipe Verde, apresenta uma crítica ao que chama de “viragem ontológica” na antropologia, tomando o livro The Ontological Turn, de Holbraad e Pedersen (2017), como ponto de partida (2025a: 252).1 O
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Se há evidência que a antropologia sempre reconheceu é a de que o meio em que somos inculturados molda de forma decisiva a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Isso é assim para a própria antropologia e, portanto, ser antropólogo é
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Rogério Brittes W. Pires
Um erro do construtivismo clássico é postular que verdades alheias seriam construídas socialmente, mas as do próprio enunciador não. Que minha visão de mundo, do fazer antropológico e da ciência sejam moldadas por meu ambiente – em
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Pedro Calapez
© Pedro Calapez. 2023. (Pormenor) Díptico B; Técnica e Suporte: Acrílico sobre tela colada em MDF e estrutura em madeira. Dimensões: 192 x 120 x 4 cm. Imagem gentilmente cedidas pelo autor. Créditos fotográficos: MPPC / Pedro
[+]Na influente obra de 1735, Systema Naturæ, Carl Linnaeus desenvolveu um sistema de classificação da ‘natureza’ que dividiu em três reinos: animal, vegetal e mineral. Porém, somente nas primeiras cinco edições deste livro, o biólogo sueco incluiu um grupo impreciso, formado por seres imaginários, que designou de Animalia Paradoxa (Linnæi 1735: 65-66). Este ensaio trata de um conjunto de seres, igualmente imaginários e contraditórios, criados em barro pelos artesãos da região de Barcelos, e procura experimentar metodologias de correspondência entre o processo de criação de etnografia com o destas criaturas. Começa por observar-se o aspeto sensorial e háptico da prática de figuração em barro, interrogando que outros métodos, além do etnográfico, possibilitam apreender o trabalho dos barristas, e das entidades que estes inventam com o barro. Conclui-se que a prática artística, e especificamente o desenho, pode promover uma aproximação ao gesto da modelação fantasiosa do barro, praticada pelos artesãos.
Grande parte da bibliografia sobre a prática de figurado de barro sugere que esta arte se limita à reprodução, em cerâmica, da realidade quotidiana observada pelos barristas.[1] Se é certo que muitas peças representam profissões, cenas de festas populares, e outros temas considerados tradicionais, como presépios e procissões, é igualmente visível na região de Barcelos, e também no contexto patrimonializado de Estremoz[2], que os artesãos têm criado entidades que dificilmente observariam no seu quotidiano. São seres contraditórios e fantasiosos que resistem a interpretações e classificações académicas, artísticas, e a tentativas de domesticação institucional.[3]
Imagem 1: Centopeia, de Mina Gallos (2024).
«É imaginar o mundo com um pedaço de barro nas mãos»[4]
Quando questiono os barristas sobre o significado da prática de figurar em barro, respondem-me sem hesitação que este trabalho, que lhes garante o sustento, é igualmente a sua vida. Através da prática de figuração refletem sobre as suas memórias, relações e sonhos. É também a trabalhar que negoceiam o equilíbrio entre a tradição dos temas que aprenderam com os mestres[5], e a criação de novas formas, baseadas nas suas próprias ideias. Portanto, mais do que representar a realidade, os artesãos imaginam o mundo através da modelação do barro, criando modos de relação com o seu ambiente. As ideias para as peças surgem-lhes dos sonhos, das histórias contadas por familiares, e de personagens de contos populares. Alguns barristas já cresceram rodeados por estas estranhas criaturas de barro, como se fizessem parte da família. Eu sigo as pistas que me vão dando, ouvindo e observando o contar dos artesãos, que é oral, mas também háptico (Ingold 2013), pois trabalham com o barro enquanto me contam as histórias da sua prática.
Imagem 2: Mesa de trabalho da autora com obras de Mina Gallos (2024), António Ramalho (2024), e esboços das peças.
«Matéria vibrante»[6]
«Que bichos são estes?», pergunto a Domingos Francisco, a propósito de um grupo de sete pequenas peças em barro: «São os Insetos!» responde prontamente, explicando que são interpretações do que imagina sobre a vida destes animais, mais do que representações factuais: «São o tira-olhos (libelinha), a borboleta, a abelha, a bicha-cadela, a reza (louva-a-deus), a formiga e a joaninha».
Imagem 3: Domingos Francisco no seu atelier em Várzea, Barcelos (2024).
Imagem 4: Insetos (borboleta, reza [louva-a-deus], formiga, bicha-cadela, abelha e tira-olhos [libelinha]), de Domingos Francisco (2024).
As minhas entrevistas e observações da prática de figurado de barro têm sido sobretudo experiências estéticas. Sento-me nos ateliers dos artesãos, impecavelmente iluminados, olhando e ouvindo o seu trabalhar - tiram um pedaço da peça de barro, que primeiro batem e amassam, e depois moldam e alisam. Repetem este processo até finalizarem a peça. Muitas vezes não têm uma ideia pré-concebida, vão fazendo, e é pela repetição dos gestos, e pela relação que estabelecem com o material, que a forma se vai dando a conhecer (Leroi-Gourhan 1993 [1964]). À sua conversa com o barro junta-se a conversa com a antropóloga, em que os barristas mais antigos me contam como apanhavam e tratavam o material em casa, num processo moroso que envolvia toda a família e a ajuda de bois no pisar do barro. Atualmente compram o material já preparado, o que facilita o trabalho, mas requer adaptação às características das novas matérias-primas, cujas particularidades têm de ser apreendidas pelos artesãos.
Durante as observações e entrevistas, e na minha tímida prática participante, pude perceber que a resistência exercida por esta «matéria vibrante» (Bennet 2010) muda consoante a sua densidade, humidade e elasticidade, e o barrista precisa de a conhecer, de identificar as suas características e os seus pontos de cedência, para com ela negociar o processo de modelação. No fundo, é necessário compreender a agência do material, estudando-o, quase como um etnógrafo do barro (Seixas 2021). Esta observação do material acontece através de uma interação organizada, que combina as ações do artesão e das suas mãos, com as da matéria, num jogo de flexibilidade, resistência e cedências de parte a parte. Do equilíbrio desta relação entre a pessoa humana e o barro mais-do-que-humano, e da sua atividade conjunta, surge o objeto (Malafouris 2014).
Imagem 5: Sarronco, de António Ramalho (2024) sobre esboços da obra.
Imagem 6 e 7: Esboços da obra Sarronco, de António Ramalho (2024).
Se as coisas que fazemos podem alterar a ecologia das nossas mentes (Wilson 1998: 5-6), também a forma como as fazemos, por exemplo, pelo tipo de envolvimento que estabelecemos com os outros, humanos e não-humanos, medeia a nossa relação com o mundo. Os barristas imergem num processo performativo, de investigação e de engajamento com o material, que é simultaneamente mental e físico, pois associam o conhecimento técnico, que conseguem transmitir, ao conhecimento tácito (Polanyi 2009 [1966]), que apenas podem expressar através da sua prática. Igualmente, compreender a performance implicada dos meus interlocutores - artesãos e barro - parece transpor os limites da linguagem e das possibilidades da minha etnografia até à data, sugerindo a necessidade de outras linhas de questionamento.
«Antropologia É Arte É Sapo?»[7]
Nas palestras «Antropologia Não é Etnografia» (2008), e dez anos mais tarde, em «Arte e Antropologia para um Mundo Sustentável» (2018)[8], Tim Ingold interrogava a relação entre a etnografia e a antropologia, afirmando tratarem-se de práticas autónomas. Destacando as diferenças, o autor argumentava que o hiato temporal entre o momento de observação e o posterior registo etnográfico cria distância, gerando uma relação tangencial, que a antropologia pode adensar com a imersão no terreno, estudando «com as pessoas» (Ingold 2008: 82). Onde a etnografia enquadra e contextualiza o ‘outro’, negando-lhe a contemporaneidade (Fabian 1983), e convertendo-o em expressão material, a antropologia estabelece relações coevas e de «correspondência» (Ingold 2008: 83). Para Ingold, a antropologia, ao contrário da etnografia, não procura produzir afirmações e obter respostas sobre as realidades estudadas, mas levantar questões e aprender com os interlocutores (Ingold 2018: 606).
Apesar de outros autores contemporâneos partilharem esta perspetiva (McLean 2017, Rees 2018), importa referir que as críticas ao etnocentrismo de algum trabalho de campo etnográfico remontam ao início da disciplina, traçando uma longa história de dissenso (Nader 2011), cujos momentos mais marcantes foram definidores da própria história da antropologia (ver Clifford & Marcus 1986, Marcus & Fischer 1999, Abu Lughod 1991, entre outros). A proposta de Ingold de autonomizar tanto a prática etnográfica como a antropológica sugere uma ampliação dos contributos individuais de ambas as disciplinas para o estudo de novas realidades ecológicas, mas também parece indicar incompatibilidades relativamente aos propósitos comuns, e questionar a importância do «encontro etnográfico» (Caria 2002) para o estudo antropológico, amplamente ensaiado pela antropologia (Gupta & Ferguson 1997), e por outras disciplinas, incluindo a arte (Sansi 2015).
Como as investigações da antropóloga Anna Lowenhaupt Tsing (2010, 2015) exemplificam, podemos conduzir estudos simultaneamente etnográficos e especulativos, e esta sincronia pode potenciar ambas as práticas e o trabalho conjunto da antropologia e da etnografia. O projeto «Atlas Feral» (Tsing et al. 2021), manifesta as possibilidades de colaborações entre etnografia, antropologia, arte, e outras disciplinas e conhecimentos, através de um caos organizado de descrições, análises, práticas, e correspondências criativas de realidades e ficções complexas, e mais-do-que-humanas.[9] Stuart McLean sugere algo similar, afirmando que a compreensão das realidades estudadas pela antropologia se veria amplificada com a utilização de outros métodos, a par do etnográfico, propondo que uma aproximação à experimentação desprendida levada a cabo pelas práticas artísticas poderia proporcionar envolvimentos antropológicos mais imaginativos (McLean 2017: 161). À centralidade humana, característica da antropologia clássica, sucederia uma disciplina ambígua e poética, aglutinadora de outras configurações de vidas e de conhecimentos, científico, tradicional e efabulatório (McLean 2017: 157).
Imagem 9: Esboços das obras: Cabra, Gigantona e Cavalo, de Rosa Ramalho (1960-1970).
Imagem 10: Desenho da obra Animal, de Rosa Ramalho (1960).
Imagem 8: Nota no caderno de campo sobre Animalia Paradoxa (2024).
Tentando colocar em prática a proposta teórica de uma dimensão antropológica mais especulativa, questiono que outros métodos posso ativar, a par da minha etnografia, e vejo-me enredada em questões. Como pode, na prática, a antropologia ser uma arte de questionamento, aceitando a incerteza e imergindo no desconhecido? Uma antropologia participativa e performativa pode emaranhar-se com o inumano (entidades não humanas, mais-que-humanas, e outras, como estes animais paradoxais), questionar a dicotomia observador-observado, e juntar-se a uma comunidade de diferentes, estudando com eles? Concordo que a viabilidade destas hipóteses aproximaria a antropologia da arte, em práticas partilhadas de observação, especulação, e participação em realidades em fluxo. Aliás, é assim que entendo as propostas de efabulação em barro dos meus interlocutores, como metáforas de exploração de novas formas de existência, e de desafio às fronteiras das suas realidades quotidianas. Mas pode a antropologia, como a figuração em barro, re-imaginar a sua realidade?
«Às vezes, por exemplo, desenhar»[10]
«A gente desenha uma linha assim, uma linha curva. E às vezes há coisas no barro que não dá para fazer. Quem trabalha no barro, tem de se adaptar, não dá assim, vou tentar fazer outra coisa. [O desenho] é a mesma coisa, mas de outra perspetiva».[11]
Inspirada por estas ideias, intercalo arte e antropologia para testar uma antropologia artística ou uma arte antropológica (Bakke & Petterson 2018), baseada em correspondências imaginativas com as realidades «inumanas» (McLean 2017: 87) criadas pelos artesãos, experimentando uma compreensão que articule o processo criativo da antropologia, e integre o método etnográfico que tenho vindo a usar na minha investigação.
Imagem 11: Mesa de trabalho com esboços e obras de Domingos Francisco (2024), Mina Gallos (2024) e António Ramalho (2024).
Experimentei participar na prática, modelando em barro com os artesãos de Barcelos, e os resultados foram promissores, mas a aprendizagem é demorada, não cabendo no tempo da minha investigação. Portanto, e seguindo a sugestão de António Ramalho, tentei pensar com o desenho sobre as minhas observações das relações e do conhecimento, técnico e tácito, dos meus interlocutores - artesãos, barro e criaturas. Observar, desenhar, e modelar - tudo implica seguir as coisas e os materiais, com os olhos e as mãos - ainda que, ao mesmo tempo, sejam também as coisas a orientar os nossos sentidos e os nossos gestos (Latour 1993).
Imagem 12: Desenho da obra Porco-Cavalo, de Rosa Ramalho (1960-1970).
Desenhar também pode ser modelar, e ao experimentar esta correspondência entre práticas, noto que consigo relacionar-me com os gestos das mãos dos barristas e com os objetos que estes criam. A simultaneidade «entre ver, inscrever e compreender» (Cabau 2016: 41) possibilita um entendimento do objeto, que expõe afinidades impercetíveis.[12] Porque o desenho é uma prática concreta, mas de raciocínio abstrato (Anderson 2019 [2017]), estabelece um paralelo com as dimensões sensorial e material da prática de figurar com o barro, aproximando-me do momento especulativo da criação desta Animalia Paradoxa, que, após quase três anos de terreno[13], me continua a inspirar e, sobretudo, a divertir!
Imagem 13: Desenhos das obras: Porco com diabo, de Júlia Côta (2023); Bicho-homem, autor desconhecido (c. 1899); Animal, de José Maria Rodrigues (s. d.); e Cabra, de Rosa Ramalho (1960-1970).
Nota: As fotografias e desenhos deste trabalho são da minha autoria, com a indispensável colaboração dos meus interlocutores, a quem agradeço.
Sónia Mota Ribeiro (CRIA NOVA FCSH)
soniamotaribeiro@gmail.com
Sónia Mota Ribeiro é antropóloga, artista, e investigadora nas áreas de antropologia da arte, antropologia do ambiente e património cultural. É doutoranda em antropologia (NOVA FCSH), integra o projeto exploratório IN2PAST, 2Legacy (2024-2025), e é licenciada e mestre em arte (FBAUP e FBAUL) e mestre em antropologia (NOVA FCSH). Mais informação: https://www.cienciavitae.pt/C612-1AB8-B390.